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Assédio moral ou “mobbing”: soluções de “Iure Condendo”

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A problemática do assédio moral tem vindo a conhecer um crescimento e generalização preocupante, pela quantidade crescente de casos, diversidade de situações e multiplicidade de consequências. O preço a pagar pelo “mobbing”, seja a nível económico, social e familiar, é enorme, e muitas vezes é pago com a própria vida.
Importa, por isso, estudar e encontrar medidas legais que enquadrem e combatam esta praga laboral.
É irónico verificar que já há mais de uma década Isabel Ribeiro Parreira alertava para o facto de que “o assédio moral é um problema de ontem que tem de ser legalmente analisado e regulamentado hoje, sob o risco de um crescimento imparável num futuro próximo”1. Milhares de dias, casos, vítimas e processos depois, aqui estamos de novo a debater o mesmo problema, com dois Códigos de Trabalho de permeio e o estado da arte quase igual.
Não desarmando, vamos procurar encontrar medidas legais que ajudem, de forma eficaz, a tutelar os direitos fundamentais, a proteger os direitos de personalidade e os valores humanos que sempre se quedam violados quando algum trabalhador é vítima de “mobbing”.
Defendemos a repressão de sanções abusivas, incluindo os casos de assédio moral, no elenco do artigo 331 do Código de Trabalho, a criação de coimas pessoais e individuais para o agressor (e não apenas para as empresas), a equiparação do assédio moral aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais.
Entendemos que deve ser consagrada a possibilidade de publicitar as sentenças condenatórias, como pena acessória, a expensas do infractor, se deveria criar como sanção disciplinar a transferência do local de trabalho do infractor, agente de comportamentos assediantes, que as condutas assediantes devem ser merecedoras de tutela penal, a par da continuação do regime contra-ordenacional, e se deve possibilitar a anulabilidade da revogação ou denúncia dos contrato de trabalho (por acordo ou unilateral) obtido como resultado de “mobbing”.
Deveria ser consagrado um regime especial de protecção às testemunhas (tal como no processo penal) para facilitar a descoberta da verdade através da prova testemunhal e a criação do estatuto de vítima de assédio moral, similar ao já previsto no estatuto de violência doméstica ou na protecção à parentalidade.
Não sendo possível abordar aqui todas as medidas, vamos abordar apenas mais cinco propostas.

Promoção da divulgação e informação sobre o fenómeno

É necessário divulgar o fenómeno por todos os sujeitos que interagem no direito do trabalho, de modo a evitar, reprimir e travar o crescimento do mesmo.
Aos empregadores é preciso sensibilizar sobre a gravidade e consequências legais e sociais das condutas assediantes; aos trabalhadores é importante esclarecer qual é o normal “modus faciendi” do agressor, para que saiba antecipadamente diagnosticar o quadro em que se move e, por outro lado, informar que medidas e entidades o podem auxiliar.
Por isso, estas medidas pedagógicas de informação deveriam abranger magistrados dos tribunais de trabalho, inspectores de trabalho, sindicatos, associações patronais, advogados especialistas em direito de trabalho, psicólogos, psiquiatras, sociólogos, médicos de medicina no trabalho, médicos de família, etc. É nesta linha que segue o acordo-quadro comunitário de 2007.
A entidade que, por lei e vocação, estaria indicada naturalmente para dirigir esta campanha de sensibilização seria a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que teria que conhecer profundas reformas para conseguir fazê-lo com eficácia, mas, infelizmente, não acreditamos na capacidade de resposta e isenção desta instituição para dirigir tal missão. A ACT é uma máquina politicamente instrumentalizada, pesada e lenta, como a generalidade das entidades públicas, pouco eficaz e dotada de poucos quadros com a competência exigida à importância da tarefa.

Criação de órgãos de mediação

O mais normal neste tipo de casos é a vítima não saber a quem se dirigir e pedir apoio quando começa a ser objecto de “mobbing”. Se se dirigir à ACT, a um psicólogo, à PSP ou a um advogado, dificilmente qualquer um deles lhe dá uma resposta completa e multidisciplinar, como ela está carenciada. E, nessa ocasião, a vítima está sedenta de apoio e informação a vários níveis: jurídico-laboral, por vezes penal, de conselho médico e de apoio de organismos estatais, tais como a ACT, a PSP e/ou o Ministério Público.
Impõe-se, portanto, a criação de soluções pré-judiciais, que, numa fase de mediação, constituídos por especialistas interdisciplinares, recebam a queixa, saibam fazer o diagnóstico correcto, efectuem a triagem do verdadeiro “mobbing” (afastando os casos de delírio de perseguição, meros conflitos de trabalho, etc.) e concedam apoio à vítima e, essencialmente, lhe emprestem força, tornando mais equilibrada esta luta que está a ser travada entre “David e Golias”.      
Estes gabinetes especializados receberiam e conduziriam a situação de uma forma especializada, proporcionando à vítima o apoio adequado.
Devidamente aconselhada, informada e, porventura “medicada”, a vítima de assédio já poderia estar em condições de enfrentar o agressor, devendo os mencionados serviços encaminhá-la para um meio próprio que permitisse a resolução do seu litígio, o qual defendemos ser a Mediação.

Juntas médicas especializadas

Não raras vezes nos deparamos com atestados, relatórios e decisões médicas sobre trabalhadores/doentes vítimas de assédio moral totalmente errados e desadequados desta realidade. O assédio moral não é uma ciência oculta, mas carece de divulgação e estudo. Os médicos, em geral, não estão informados e sensibilizados para o fenómeno, nomeadamente os médicos de família, cuja especialidade é medicina geral e familiar (ex-clínicos gerais dos centro de saúde).
Na impossibilidade de se conseguir dar formação adequada a todos os médicos num curto espaço de tempo – objectivo de largo espectro – defende-se, a montante, a criação de juntas médicas de verificação de baixas médicas de doentes vítimas exclusivamente de assédio moral, constituídas por examinadores devidamente formados sobre este fenómeno, a instalar inicialmente apenas nos grandes centros urbanos.
Seria uma solução similar à já existente para as juntas médicas específicas para doentes do foro psiquiátrico.

A inversão do ónus da prova

Nada tendo sido expressamente consagrado em sentido contrário, tal ónus recai integralmente sobre o trabalhador, por força das regras gerais insertas no nº 1 do artigo 342 do Código Civil, o qual estipula que “àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
Ora é aqui que está o busílis do problema, pois, na maioria das vezes, para a vítima – trabalhador – é praticamente impossível fazer tal prova, tornando-se uma prova diabólica, pois as condutas do assediante são dissimuladas, insidiosas, maquiavélicas ou (como muito pertinentemente a apelidou a doutrina alemã) “veneno rastejante”. Para melhor perceber a “invisibilidade” do “mobbing”, podemos compará-lo com um icebergue: apesar de ser enorme, apenas conseguimos ver uma pequena parte da sua imensidão.
Por isso, defendemos uma alteração legislativa ao Código do Trabalho, no sentido de repartir aquele ónus da prova pelas duas partes litigantes: ao trabalhador competiria fazer prova dos factos que entende terem ocorrido e que indiciam a ocorrência de assédio; ao empregador caberia a prova de que tais factos não se ficaram a dever a culpa sua ou que não possuem a gravidade, reiteração ou intencionalidade que o trabalhador lhes atribuiu.

Criação de presunções de culpa

O artigo 349.º do Código Civil define as presunções como “as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
Assim, para definir uma presunção de culpa no âmbito do “mobbing” teriam que se provar alguns factos, desde logo, a existência de uma situação de “mobbing” conforme já definida e a verificação de algumas das suas consequências no trabalhador. Verificado que estivesse o assédio, o trabalhador estaria dispensado de demonstrar a culpa do assediante, que se presumiria.

NOTAS:
1 - Parreira, I. R. (2003). O assédio moral no trabalho V Congresso Nacional de Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, pag.210.

*Advogado há 25 anos; Especialista em Direito do Trabalho; Formador da Ordem dos Advogados; Vice-Presidente do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados; Docente em Pós-Graduações e Mestrados na Universidade Portucalense, Universidade Fernando Pessoa, Faculdade Medicina da Universidade do Porto e Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

Este texto não segue o novo acordo ortográfico

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