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A dimensão externa da liberdade de circulação de capitais segundo a jurisprudência do TJUE

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O contexto do mundo actual e a crescente globalização exigem cada vez mais dos Estados e das suas legislações tributárias. A integração de um Estado na União Europeia obriga os Estados-membros à uniformização das suas legislações para uma progressiva eliminação dos obstáculos económicos, jurídicos e políticos.
O direito da União Europeia assenta em cinco liberdades fundamentais. Estas liberdades derivam dos Tratados assinados entre os Estados-membros da União e caracterizam-se por constituirem princípios orientadores de toda a actuação da União que os Estados-membros devem respeitar e de que o TJUE se socorre para interpretar da conformidade das legislações de cada Estado-membro com as liberdades fundamentais estabelecidas pelo direito a União.
A liberdade de circulação de capitais assume hoje especial destaque devido às suas características particulares, uma vez que é a única liberdade da União aplicável na relação com Estados terceiros e, consequentemente, criando grandes questões no seu cumprimento pelos Estados-membros através das legislações domésticas de cada Estado quando preveem para situações comparáveis um tratamento discriminatório quer para com Estados-membros, quer para com Estados terceiros, suscitando dúvidas relativamente ao escopo do art. 63º TFUE, em especial na relação com Estados terceiros, uma vez que estes não se encontram vinculados às liberdades fundamentais da União e não existir uma obrigação de reciprocidade entre estes e os Estados-membros.
Contudo, bem sabemos que qualquer liberdade fundamental é passível de sofrer ingerências por parte de medidas adoptadas pelos Estados-membros, desde que devidamente justificadas e proporcionais ao objectivo que alegadamente pretendem atingir.
Esta dimensão externa, visando criar um verdadeiro mercado comum e liberalizado no que toca à circulação de capitais, esteve na base de algumas decisões recentes do Tribunal de Justiça que estabelecem que a concessão de um benefício fiscal às entidades residentes nacionais ou de outro Estado-membro, excluindo da previsão a possibilidade de benefício dessa isenção por entidades sediadas em Estados terceiros, pode dar lugar a um obstáculo à liberdade de circulação de capitais na sua dimensão externa, a qual pode ser incompatível com o direito da União.
O art. 63º TFUE expressa uma clara e incondicional proibição de qualquer restrição ou discriminação baseada na nacionalidade, residência ou local onde é investido o capital que não seja justificada por razões imperiosas de interesse geral e proporcional ou esteja sob a alçada das derrogações expressas do art. 64º TFUE, quer sejam entre Estados-membros ou entre Estados-membros e Estados terceiros. Com efeito, esta norma estende certos benefícios e direitos expressos nos Tratados a Estados terceiros que não são partes nem se encontram vinculados às obrigações neles previstos sem qualquer dever de reciprocidade.
Isto pode explicar-se pela intenção de gerar crescimento económico, emprego e desenvolvimento, fomentando, deste modo, o investimento de entidades estabelecidas ou residentes fora da União Europeia. Esta atracção de capitais encoraja e aumenta a eficiência económica das empresas tornando a posição da União Europeia num forte centro financeiro internacional.
O entendimento do TJUE é o da aplicação do princípio da igualdade de tratamento para situações  iguais ou comparáveis, e, nestes termos, uma restrição a uma liberdade fundamental só será proibida se falhar algum dos testes de compatibilidade de que o Tribunal se socorre para se pronunciar sobre a conformidade das legislações dos Estados-membros. Assim, é possível concluir que qualquer restrição à livre circulação de capitais na sua dimensão externa é interpretada num contexto legal distinto que pode justificar um tratamento fiscal diferenciador desde que este seja proporcional e adequado.
Nesta linha, a recente decisão do TJUE no acórdão C-190/12, de 10 de Abril de 2014, faz algumas considerações importantes para o entendimento desta liberdade. A legislação polaca em causa no acórdão concedia uma isenção de imposto aos fundos de investimento que exercessem a sua actividade em conformidade com as disposições da Lei sobre os fundos de investimento e os organismos de investimento colectivo cuja sede se situasse num Estado-membro da União Europeia além da Polónia, ou noutro Espaço Económico Europeu, quando estes últimos se encontrem, entre outros requisitos cumulativos, no estado da sede, sujeitos a imposto sobre as sociedades sobre a totalidade dos seus rendimentos.
O Estado polaco alegou que esta medida, que impedia um fundo de investimento sediado num Estado terceiro de beneficiar da isenção de imposto concedida aos fundos de investimento nacionais e estabelecidos em territórios de Estados-membros da UE, era justificada com base na garantia de eficácia dos controlos fiscais, bem como pela necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal, a repartição de poderes de tributação e a salvaguarda das receitas fiscais.
O TJUE rejeitou as justificações alegadas pelo Estado polaco e, com efeito, entendeu que apenas pelo facto de um fundo de investimento se encontrar sediado em território de um Estado terceiro não pode ser excluído da previsão para beneficio da isenção de imposto concedido aos fundos nacionais e estabelecidos em Estados-membros da UE/EEA quando for provado que o fundo de investimento estrangeiro em causa se encontra em situação comparável com a dos fundos de investimento sediados em território nacional e, cumulativamente, existir entre o Estado-membro e o Estado terceiro um acordo para a troca de informações ou para a cooperação administrativa equivalente à existente entre os Estados-membros da UE.
Contudo, o TJUE não indicou qual o critério que deverá ser seguido pelos Estados-membros, de forma a aferir a comparabilidade de situações, remetendo essa competência para os Tribunais internos dos Estados. Aferindo-se as condições indicadas pelo TJUE e concluindo-se em não existirem diferenças entre os fundos sediados em Estados terceiros e os fundos de Estado-membros da UE/EEA, seguindo o entendimento para interpretação das normas nacionais dos Estados de acordo com a legislação comunitária, deve ser garantido um tratamento fiscal semelhante ao concedido aos fundos nacionais, permitindo àqueles, nos mesmos termos, a isenção de imposto.
Foram deste modo desconsideradas pelo TJUE as justificações alegadas pelo Estado polaco baseada na garantia de eficácia dos controlos fiscais, na preservação da coerência do sistema fiscal, na repartição de poderes de tributação e na salvaguarda das receitas fiscais e, por último, na redução de receitas fiscais, não se enquadrando, no caso em análise, no entender do TJUE, como razões imperiosas de interesse geral susceptíveis de justificar uma medida incompatível com uma liberdade fundamental.
Neste sentido, extraem-se significativas consequências com implicações práticas na legislação interna dos Estados-membros, podendo mesmo colocar em causa a conformidade de normas vigentes no ordenamento fiscal português com o direito comunitário. É importante perceber se os movimentos de capitais de e para Estados terceiros podem ter um tratamento distinto dos movimentos de capitais entre Estados-Membros e de que forma são toleradas as restrições a esta liberdade fundamental mediante as justificações alegadas pelos Estado-membros.
Somos da opinião que este é um grande passo no sentido da criação de um mercado verdadeiramente comum e globalizado. Contudo, este entendimento pode gerar perdas de receita significativas para os Estados-membros ao ficarem obrigados a isentar de imposto também as entidades sediadas em Estados terceiros.
Os Estado-membros veem-se agora a braços com a decisão de manterem os incentivos, estendendo estes a Estados terceiros, vendo nesta medida razões de oportunidade para atracção de investimento e captação de capitais, ou, por outro lado, encararem como uma posição muito onerosa, não se encontrando disponíveis para uma eventual perda significativa de receitas fiscais. Neste último caso, restará aos Estados expurgar os benefícios fiscais desconformes ao art. 63º TFUE dos seus ordenamentos jurídicos. Porém, esta poderá ser uma boa notícia para estas entidades de investimento, ao beneficiarem na mesma medida dos incentivos fiscais abrem-se ainda mais as portas para aplicação dos seus capitais em território da UE, colocando novamente a discussão da fuga de capitais e a consequente erosão da base tributável na ordem do dia.

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