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“Zero risco, zero inovação”

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“Não é o crítico quem conta. Não é o homem que aponta os tropeções de quem teve iniciativa para fazer alguma coisa. O mérito é do homem que está na arena, cujo rosto está sujo de pó, suor e sangue; daquele que resiste corajosamente; daquele que fracassa uma e outra vez - porque não há esforço sem obstáculos e dificuldades.
É ele quem realmente se empenha para realizar alguma coisa; é ele que conhece o grande entusiasmo e o grande desgaste de se dedicar a uma causa digna. É ele que, na melhor das hipóteses, conhece o sucesso e, na pior, se falha, ao menos falha ousando em grande, para que o seu lugar nunca seja junto daqueles pobres de espírito que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota.” – Theodore Roosevelt, discurso na Sorbonne (Abril 1910)
Um amigo meu que trabalhou na Unilever contava que, em tempos, perante a ameaça do lançamento de um detergente melhor pela concorrência, a empresa resolveu adoptar uma estratégia agressiva de contra-ataque. A ideia era anteciparem-se e lançarem um produto ainda melhor – mas, para o fazerem, tinham de agir em tempo-record. Nomearam um tal de Niall Fitzgerald para liderar esse projecto, que fez o que lhe competia: em muito pouco tempo, a Unilever conseguiu, de facto, lançar o tal novo detergente no mercado - o Persil com agentes abrasivos.
Correu mal. A fórmula funcionava bem demais: destruía as nódoas mas também a própria roupa. A empresa teve um prejuízo de 1,6 biliões de dólares com a aventura.
É caso pra dizer: QUE BURRO! Foi, com certeza, sumariamente despedido…
Não, não foi.
Mais: meses mais tarde, o CEO da empresa reformou-se e quem é que foi escolhido para seu sucessor? O tal Niall Fitzgerald.
O que é que justificou essa decisão? Porque é que o foram escolher logo a ele?
Pela forma como Niall encarou o fracasso: minimizando os custos, recuperando os atrasos e, principalmente, pelas lições que retirou desse episódio - passando a ter muito mais atenção aos aspectos críticos de modo a evitar a repetição do erro.
Niall Fitzgerald tornou-se uma lenda no mundo dos negócios. O seu principal mantra era que todos os negócios de sucesso têm de ter dois componentes críticos e inseparáveis: a inovação e o risco. “Zero risco, zero inovação” – costumava dizer. No caso da Unilever, a sua estratégia passou por apostar na qualidade em vez de na quantidade das marcas representadas. Em 5 anos, a Unilever passou de 1.600 para apenas 400 marcas, tornando-se numa organização mais lean. Podia ter corrido mal. Mas Niall assumia que o principal papel dos líderes das empresas é, precisamente, assumir o risco de falhar. “Há que tomar decisões e gerir as consequências dessas decisões” (a chamada “accountability”). Mas Niall não se limitava a defender a responsabilização dos líderes das empresas pelas consequências da tomada de decisão (o que já não é pouco). Defendia também que cabe aos líderes encorajar a assunção de riscos nas suas organizações. “Enquanto o papel da gestão é criar procedimentos que permitam lidar com a complexidade (conferindo segurança e previsibilidade), ao líder cabe promover algum caos. Deve criar um ambiente em que as pessoas sintam que podem assumir riscos.”
De facto, a existência de procedimentos é importante. É isso que confere previsibilidade, que permite que não estejamos a questionar tudo a toda a hora. Os procedimentos são o “piloto-automático” que permite fazer as coisas mecanicamente, com rapidez, ritmo, padrão, certeza (daí o “piloto-automático” ser tão importante na aviação). Mas os procedimentos têm o inconveniente de gerar inflexibilidade. Para evoluir é preciso experimentar novas soluções. E para isso é necessário “desligar o piloto automático” – o que implica correr riscos. A organização deve estar preparada (ter os melhores profissionais, os melhores procedimentos e ferramentas) mas há um momento em que deve assumir que, por muito bem preparada que esteja, quando se entra em território desconhecido, os imprevistos vão sempre acontecer. Porque a realidade é mutável e complexa. Como se costuma dizer, “na prática, a teoria é outra”. Daí que tenha de haver espaço para o erro. Porque não existe inovação sem experimentação. O erro faz parte da aprendizagem e do conhecimento.
Niall Fitzgerald sublinhava que “com o risco vem o direito a errar. Ter um cargo de chefia significa ser tolerante com as falhas, sem usar isso como desculpa para uma má performance. Um dos chefes que mais me marcaram costumava dizer que quem não fez erros suficientes devia ser despedido – porque só não erra quem não tenta fazer melhor e se acomoda!”
Em Portugal, há um aspecto cultural que dificulta a inovação e a tomada de iniciativa individual: é o estigma social do falhanço. No nosso país, os erros pagam-se caro. Ser despedido, chumbar de ano ou falir uma empresa representa uma mancha de vergonha que será carregada para o resto da vida. Apenas sabemos lidar com o sucesso. E por isso preferimos jogar pelo seguro. Erramos pouco porque arriscamos pouco. E arriscamos pouco porque não valorizamos o prémio - e porque, normalmente, este é muito menor do que o castigo associado ao fracasso. Talvez por isso, dedicamo-nos sobretudo a criticar quem teve a coragem de agir ("eu no lugar dele, tinha feito bem melhor! Ai se fosse comigo!”). Mesmo sem conhecer as dificuldades de quem está no terreno, mesmo sem ter experiência suficiente para saber realmente do que falamos, todos somos "treinadores de bancada". Prova disso é o número inusitado de comentadores que por aí proliferam.
Ainda não conseguimos distinguir o dolo do erro honesto – aquele que muitas vezes decorre de uma execução diligente das tarefas, que faz parte do processo de crescimento e é fundamental para se ousar e inovar. É preciso mudar esta mentalidade. E nisso, as empresas têm um papel activo a desempenhar. William McNight dizia que “se colocarmos vedações em redor dos colaboradores, eles transformam-se em ovelhas” - e, de facto, se uma empresa não aceita que por vezes pode falhar, se penaliza o erro, se não delega, se não confia que os seus colaboradores podem pensar pela sua própria cabeça, então dificilmente eles estarão dispostos a correr riscos e a envolverem-se em projetos inovadores.
A inovação são ideias novas em ação. Por isso, é importante testar e experimentar. Passar à ação: definir projetos-piloto, onde os danos potenciais possam ser limitados, controlar e monitorizar as consequências – para depois, se funcionar, replicar num âmbito mais alargado; se não-funcionar, discutir aquilo que correu mal. Não para identificar culpados ou ouvir desculpas mas para corrigir erros e continuar a evoluir. Porque a inovação surge com muito mais frequência através de um processo gradual, de melhoria continua, do que por rasgos de brilhantismo.
Não podemos querer competir num mercado global apenas correndo atrás da concorrência. É preciso inovar - mas, para isso, é preciso alterar mentalidades; é preciso criar as condições para que a inovação surja. Porque – como dizia Einstein – “loucura é fazer sempre o mesmo e esperar resultados diferentes”.

1 - Unilever press release, November 21, 2003

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