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Extensão da penhora eletrónica aos certificados de aforro

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RECOMENDAÇÕES APROVADAS EM CONGRESSO
O alargamento da penhora eletrónica aos certificados de aforro e a harmonização do IVA aplicado sobre os serviços jurídicos prestados aos cidadãos são duas das 57 recomendações aprovadas pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), segundo noticiou a Agência Lusa.

Segundo informação prestada à Lusa pela OSAE, as recomendações foram aprovadas no último congresso da classe e visam “incrementar a qualidade das condições de trabalho e dos serviços prestados por solicitadores e agentes de execução (cobrança de dívidas e penhoras)” e contribuir para a “modernização e simplificação” do funcionamento da Justiça.
“Estas [recomendações] abrangem áreas como as custas judiciais, o reforço da presença da tecnologia, os prazos de prescrição, os critérios de penhorabilidade de bens e rendimentos, a imputabilidade de novas responsabilidades a empresários e gerentes, bem como a criação de condições para o exercício da atividade de solicitador junto das comunidades portuguesas no estrangeiro”, indica a OSAE.
De acordo com a OSAE, as recomendações serão apresentadas à tutela, aos órgãos de soberania e demais operadores judiciários e podem implicar alterações significativas. O objetivo é tornar “mais simples, rápido e seguro” para cidadãos e empresas o funcionamento da Justiça, nomeadamente nas áreas de intervenção destes profissionais.
Entre as recomendações está a criação de um sistema de progressividade no pagamento das custas judiciais, em função da natureza do tema e do rendimento imediato de quem necessita de recorrer aos tribunais, assim como a criação de um serviço eletrónico para indicação a profissionais do foro e a cidadãos dos prazos de prescrição, integrando diversas plataformas em ambiente Web.
Outra das recomendações prende-se com a regulamentação do regime de citação/notificação eletrónica para que qualquer cidadão ou empresa fixe o seu domicílio digital.
Propõe-se ainda a aplicação do regime de impenhorabilidade de salários/rendimentos, já existente para as dívidas de alimentos, às indemnizações por crimes violentos e de cariz sexual.
Outra das recomendações visa a criação de um regime geral que, durante cinco anos, iniba os gerentes e sócios maioritários de sociedades de constituírem e integrarem novas sociedades. “Isto sempre que estes, devendo fazê-lo, não se tenham apresentado à insolvência ou tenham permitido a liquidação administrativa da sociedade anterior”, explica a OSAE.
A promoção da profissão de solicitador onde existam comunidades portuguesas significativas no estrangeiro, nomeadamente nos países de língua oficial portuguesa, é outra das 57 recomendações aprovadas em Congresso pela OSAE.

O beneficiário efetivo: a ponta do icebergue

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A. Barreto Menezes Cordeiro
Doutor em Direito
Professor Auxiliar convidado da Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa
I. A 21 de agosto, foi publicado, em Diário da República, o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo – Lei n.º 89/2017 – que transpôs, para a ordem jurídica interna, o Capítulo III da Diretiva (UE) 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015.
O diploma, que tem como propósito combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, suscita, indiretamente, um conjunto variado de problemas jurídicos e fiscais, transversais ao sistema jurídico português, que o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo, pela sua “ratio”, não se encontra preparado nem foi concebido para resolver.
No núcleo dos problemas suscitados, encontramos a figura de beneficiário efetivo, positivada no artigo 1.º do diploma: “pessoa ou as pessoas singulares que, ainda que de forma indireta ou através de terceiro, detêm a propriedade ou o controlo efetivo das entidades a ele sujeitas”.  

II. A primeira dificuldade que se levanta respeita à natureza jurídica da propriedade atribuída, no artigo 1.º, ao beneficiário efetivo. Numa primeira análise, tudo aponta para um reconhecimento legal da dicotomia clássica, típica do “trust” anglófono, titularidade formal e titularidade material.
Também não é claro o que se entende por controlo efetivo. Pressupõe a existência, na esfera jurídica do beneficiário efetivo, de um direito a transmitir instruções vinculativas ao titular formal? Sendo esse o caso, os denominados negócios fiduciários discricionários encontram-se excluídos: nestes, o titular formal não está obrigado a seguir quaisquer instruções; não existindo, assim, um controlo efetivo.
Também a disponibilização pública desta informação, nos termos do artigo 19.º, suscita complexas dúvidas dogmáticas e práticas. Que efeitos jurídicos decorrem desta disponibilização? É análoga à prevista para o registo predial e, consequentemente, constitutiva da própria posição jurídica do beneficiário efetivo? É análoga à prevista para o registo de valores mobiliários e, consequentemente, meramente declarativa? Podemos retirar da natureza pública do registo a produção de efeitos jurídicos externos à relação beneficiário efetivo/titular formal?

III. O Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo consagra no Direito português o tipo-social negócio fiduciário, há muito conhecido do comércio jurídico. Este reconhecimento justifica a positivação de um regime jurídico autónomo que esclareça a natureza do tipo negocial (obrigacional ou real), os deveres e direitos de cada uma das partes – fundador, beneficiário e fiduciário – e eventuais exigências formais quanto à sua constituição. De outro modo, os nossos tribunais, comuns e administrativos, serão confrontados com um conjunto variado de problemas de impossível resolução.
Neste regime a constituir, cabe ao legislador português dar resposta às seguintes questões principais: (i) respondem estes bens pelas dívidas dos titulares formais ou dos beneficiários efetivos?; (ii) devem esses bens ser incorporados na massa insolvente dos titulares formais ou dos beneficiários efetivos?; (iii) podem os beneficiários efetivos interpor ações de restituição dos bens sempre que estes sejam alienados sem o seu consentimento? A existência de um registo público parece favorecer esta interpretação.
Por fim, do ponto de vista do Direito tributário, será ainda necessário clarificar quem é o sujeito passivo fiscal. Segundo as soluções consagradas em outros sistemas jurídicos, cabe ao titular formal suportar os encargos fiscais, constituindo esses bens um património autónomo distinto do seu património principal.

A apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional de advogado no contexto de buscas realizadas pela Autoridade da Concorrência

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Diana Alfafar

Advogada da Vieira de Almeida & Associados
O ano 2017 tem sido marcado por uma intensa atividade de investigação por parte da Autoridade da Concorrência (AdC), em particular em matéria de buscas, e, consequentemente, apreensão de documentação no âmbito dessas diligências. Até à data de fecho deste artigo, foram realizadas diligências de busca a 27 entidades dos sectores da distribuição, transporte fluvial turístico, ensino da condução e segurador.
Do rol de poderes de investigação da AdC consta a possibilidade de realização de buscas nas instalações, terrenos ou meios de transporte de empresas ou associações de empresas, buscas domiciliárias no domicílio dos sócios, membros de órgãos de administração e de trabalhadores e colaboradores de empresas ou associações de empresas e até mesmo buscas em escritórios de advogados ou consultório médico nas circunstâncias previstas nos arts. 18.º e 19.º da Lei da Concorrência (LdC).
No decurso dessas buscas, ou quando haja urgência ou perigo na demora, a AdC pode proceder ao exame, recolha e apreensão de documentos – independentemente do seu suporte – sempre que tal se mostre necessário à obtenção de prova (art. 20.º, n.º 2, LdC). Neste contexto, a AdC pode deparar-se com documentos abrangidos pelo segredo profissional de advogado, importando tecer algumas considerações sobre o regime aplicável nesse cenário.  

(i) O dever de segredo profissional  do advogado
O dever de guardar segredo profissional é um dos mais sagrados princípios deontológicos da profissão de advogado. Foi sempre considerado “honra e ‘timbre da advocacia, condição sine qua non da sua plena dignidade”. O cliente deve ter absoluta confiança na discrição do advogado para lhe poder contar toda a verdade e saber que ele é um “sésamo” que nunca se abre”(1). Para estabelecer esta relação de confiança, que dá ao cliente segurança para fazer do advogado destinatário de informações sigilosas necessárias ao exercício do mandato, é fundamental assegurar a confidencialidade.
A par do princípio da confiança, o segredo profissional tem ainda como fundamento um manifesto interesse público, relacionado com a função do advogado como servidor da justiça. Ao reconhecer a integridade, dignidade e eminente função social da advocacia (arts. 88.º e 90.º do EOA(2)e arts. 20.º, n.º 2, e 208.º da CRP), a lei reconhece a natureza pública da profissão(3). Consequentemente, entende-se que o segredo profissional deve beneficiar de uma proteção especial por parte do Estado(4).
Foi nesse pressuposto que a lei consagrou, no art. 13.º, n.º 2, a), da LOSJ(5), o direito à proteção do segredo profissional como uma das garantias e imunidades do advogado.
Estão abrangidos pela obrigação de segredo profissional todos os factos cujo conhecimento advenha do exercício das funções ou da prestação dos serviços profissionais(6). O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo (art. 92.º, n.ºs 1 e 3, do EOA).
A consagração normativa deste princípio fundamental é efectuada em termos absolutos e sem quaisquer restrições, apenas se admitindo exceções perfeitamente circunscritas e determinadas pela lei e casuisticamente pela Ordem dos Advogados (nos termos do art. 92.º, n.º 4, EOA)(7).
O princípio estende-se aos advogados que exercem a sua atividade em regime de subordinação (os chamados advogados internos ou “in-house”), desde que se encontrem inscritos na Ordem dos Advogados portuguesa ou em entidades congéneres de outros países(8).

(ii) Apreensão de correspondência que respeite ao exercício da profissão
A apreensão de correspondência que respeite ao exercício da advocacia encontra-se absolutamente vedada pelo EOA (art. 76.º). Não pode ser apreendida correspondência, seja qual for o suporte utilizado, que respeite ao exercício da profissão, nem podem as provas obtidas dessa forma ser utilizadas. De acordo com o n.º 2 do art. 76.º do EOA, “a proibição estende-se à correspondência trocada entre o advogado e aquele que lhe tenha cometido ou pretendido cometer mandato e lhe haja solicitado parecer, embora ainda não dado ou já recusado”. A única exceção a esta regra não tem validade em procedimento sancionatório da concorrência, pois respeita apenas aos casos em que os documentos constituem objeto ou elemento de um crime.
A apreensão de correspondência em geral (incluindo a correspondência que não respeite ao exercício da advocacia) também se encontra vedada em procedimento sancionatório da concorrência, enquanto decorrência da conjugação do preceito constitucional do art. 34.º, n.ºs 1 e 4 (que consagra a inviolabilidade da correspondência e proíbe a ingerência das autoridades públicas na correspondência, salvos os casos previstos em matéria de processo criminal) com o art. 42.º do RGIMOS(9), aplicável subsidiariamente à LdC por via do art. 13.º, n.º 1, nos termos do qual não é permitida, em processos de contraordenação, a intromissão na correspondência ou nos meios de telecomunicação nem a utilização de provas que impliquem a violação do segredo profissional.
É de ressalvar que, no entendimento da AdC, a apreensão de correspondência aberta em nada difere da apreensão de um mero documento escrito, que deverá ser considerado de acordo com a sua natureza própria, seguindo-se, para a sua apreensão, o regime legal correspondente ao documento em questão(10).

(iii) Apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional
A LdC afasta expressamente a possibilidade de apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional em caso de busca em escritório de advogado, e excepciona esta regra para a circunstância de tais documentos constituírem, eles próprios, objeto ou elemento da infração (art. 20.º, n.ºs 4 e 5, LdC). Nada diz, porém, quanto à apreensão deste tipo de documentos no contexto de uma busca às instalações de uma empresa ou associação de empresas. Não deverá, no entanto, esta omissão significar que a proibição não deve estender-se a documentos abrangidos pelo segredo profissional que se encontrem na posse do visado, pois não é, naturalmente, por terem saído do escritório de advogado que tais documentos deixarão de constituir matéria confidencial, que caberá não só ao advogado, mas também ao Estado proteger.
Na falta de previsão expressa em contrário, o segredo profissional beneficia de proteção absoluta no âmbito dos processos contraordenacionais por decorrência do mencionado no art. 42.º, n.º 1, do RGIMOS. Deste diploma não consta qualquer norma que habilite uma autoridade administrativa ou tribunal a quebrar tal segredo(11), o que se justifica que, dado os interesses em jogo em matéria contraordenacional (os quais, por serem de menor relevância que os protegidos pelo direito criminal, não justificam uma solução diferente).
Também o EOA é claro quanto a esta questão, ao incluir no conceito de correspondência – e, consequentemente, afastando da disponibilidade de apreensão – as “instruções e informações escritas sobre o assunto da nomeação ou mandato ou do parecer solicitado” (art. 76.º, n.º3). Os conceitos de instruções e informações escritas são suficientemente abrangente para incluir pareceres, memorandos ou informações prestados ao cliente.
À luz deste enquadramento legal, conclui-se que, no contexto de uma busca às instalações de uma empresa ou de associação de empresas, a AdC não poderá apreender e utilizar como prova qualquer parecer, memorando ou informação de advogado sobre o assunto da nomeação, mandato ou parecer solicitado pelo cliente. Caberá ao advogado que elabore tais documentos, marcá-los devidamente como confidenciais, a fim de facilitar a sua identificação pelas autoridades.

(iv) Consequências da apreensão de documentos protegidos pelo sigilo profissional
A apreensão de correspondência e de documentação cobertas pela obrigação de sigilo profissional em processos sancionatórios da concorrência constitui uma intromissão inaceitável na vida profissional do advogado e na relação de confiança com o seu cliente, imprescindível ao exercício da advocacia.
Pelo exposto, conclui-se que não está no leque de poderes da AdC apreender correspondência relacionada com o exercício da advocacia nem pareceres, memorandos, instruções ou informações escritas prestados pelo advogado ao seu cliente, salvo na circunstância de tais documentos constituírem, eles próprios, objeto ou elemento da infração.
A prova obtida desta forma é nula e não pode ser utilizada, devendo o advogado, no decurso de uma apreensão, apresentar reclamação destinada a garantir a preservação do segredo profissional, nos termos do art. 77.º do EOA. Neste caso, deve a AdC devolver de imediato os documentos apreendidos ou, caso assim não entenda, guardá-los em envelope fechado e selado sem prévia análise para posterior decisão da autoridade judicial competente.

Notas:
1. Cfr. António Arnaut, “Iniciação à Advocacia”, Coimbra Editora, 2014, p. 77.
2. Estatuto da Ordem dos Advogados, Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro.
3. Idem, p.77 e ss.
4. Vide art. 2.3-1 do Código de Deontologia dos Advogados Europeus.
5. Lei da Organização do Sistema Judiciário, Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
6. A este respeito, recorde-se que os atos próprios de advogado incluem não só o exercício do mandato forense, mas também todas as formas de consulta jurídica (arts. 1.º a 3.º da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto.
7. Cfr. Parecer N.º E-07/07 do Conselho Geral da OA.
8. O EOA garante aos advogados que trabalham em regime de subordinação as mesmas prerrogativas dos demais advogados (art. 73.º), não admitindo qualquer distinção (veja-se o referido parecer n.º E-07/07 e a decisão do Tribunal de Comércio de Lisboa no processo n.º 572/07.9TYLSB, no sentido da ilegalidade da apreensão de documentos pertencentes a um advogado interno de empresa por violação do sigilo profissional.
9. Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.
10. Cfr. Linhas de orientação da AdC sobre a instrução de processos relativos à aplicação dos artigos 9.º, 11.º e 12.º da LdC e dos artigos 101.º e 102.º do TFUE, §51. Vide, neste sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa nos processos n.º 463/07.3TAALM-A.L1-3, de 02.03.2011, e 744/09-1S5LSB-A.L1-9, de 29.03.2012. Já em sentido divergente, o acórdão do mesmo Tribunal no processo 36/11, de 20.12.2011. Em relação à apreensão de correio electrónico, vide Gonçalo Anastácio e Diana Alfafar, “Lei da Concorrência - Comentário Conimbricense”, anotação ao art. 20.º, Almedina, 2013, p. 231 e ss.
11. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, anotação ao art. 42.º”, Universidade Católica Editora, 2011.

De novo o crime de abuso de informação privilegiada (“insider trading”): brevíssimas considerações sobre política criminal*

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Eduardo Vera-Cruz Pinto

Professor Universitário
Escrever um prefácio a um livro que tem por objeto de investigação uma matéria jurídica muito específica, assente em fontes muito concretas e numa narrativa de matriz técnica, é uma responsabilidade que assumi, sem muito pensar. Valeu a pena, gratificante que foi a leitura e a aprendizagem.
Por isso, escrever breves linhas sobre “Do Crime de Abuso de Informação Privilegiada (‘Linsider training’)”. Uma análise “ius dogmática” entre sistemas e jurisprudências constituiu para mim uma agradável tarefa de reencontro com conceitos estruturantes do universo jurídico, como: abuso, informação, crime, privilégio, “ius”, dogmática, sistema, silêncio e jurisprudência. Depois as alterações de sentido que as composições concetuais duais acarretam quando inseridas em normas legais ou em novos institutos jurídicos (informação privilegiada; abuso de informação; “ius dogmática”, crime e valores mobiliários…).
É esta perspetiva inovadora que o texto propõe, mas não formula. Para juristas experimentados com um conhecimento não apenas técnico-dogmático da “ars iuridica” a intuição cedo determina a compreensão. Para os neófitos, é requerido um maior esforço de interpretação após releitura.
Um dos temas mais interessantes do instituto da informação privilegiada é o do “quantum” da censura social pela sua prática que se repercute na normação legal relativa à criminalização e sanção de tais comportamentos. Essa questão central no tratamento dogmático do instituto cruza-se, com necessária interdisciplinaridade, com as ponderações jurisprudenciais sobre o custo social e económico da prática deste crime e com o desvalor moral de tal conduta. No livro, podemos entender ser este o plano traçado pelos autores, que determina a seleção de bibliografia e o modo de escrever.
Numa sociedade que segue modelos globalizados de organização social e económica, onde o investimento especulativo em produtos financeiros determina margens de riqueza individual elevadas (exageradas), em processos de acumulação de riqueza que chocam com a pobreza crescente dos excluídos (uma vasta maioria) destes sistemas, importa garantir lealdade, confiança e transparência. Os autores mostram que cabe ao Direito fazer valer a racionalidade e a justeza de atitudes num Mundo onde parece que o dinheiro compra tudo. A força, seja qual for a sua origem, não pode prevalecer sobre a justiça. Daí que as normas que censuram o abuso de informação privilegiada devam contar com a força legítima das leis num alargado consenso social sobre o certo e o errado quanto a este instituto jurídico. Assim fica expresso pelos autores nas linhas que se seguem.
Desregulados os mercados de uma forma programada pelo poder político dos países que lucram com estes procedimentos, numa opção prosseguida de forma sistemática e persistente pelos jogadores profissionais do jogo societário-financeiro, a informação detida pelos responsáveis pelas transações que tudo determinam em termos de vantagens e desvantagens assume uma importância capital. Garantir a vantagem do mérito e das boas práticas em sã concorrência pelo respeito de normas legisladas e regras consensualizadas é uma das finalidades da intervenção jurídica nestes assuntos.
Cabe ao Direito assumir os valores e os princípios que garantem a justiça possível no mundo onde a informação privilegiada se movimenta. Daí o apelo dos autores ao “ius” sinalizando a centralidade da Justiça na criação e aplicação das normas que disciplinam o tema que tratam. Depois, a construção dogmática e a aplicação jurisprudencial – fontes de Direito incontestáveis no atual momento de crise da lei – dão o recorte técnico necessário às decisões aplicadas aos que cometem o crime aqui analisado.
Também a dicotomia entre “o que se diz e o que se cala” tem aqui uma relevância extraordinária no melindre de informar fora das regras e criando um ambiente de privilégio indevido que prejudica terceiros e coloca em causa a credibilidade de instituições que existem e atuam com base na confiança que temos nelas. A falta de credibilidade das instituições tem sido uma das principais causas da crise de confiança no Direito. A cobardia funcional dos titulares de cargos, com naturais  e muitas exceções, instala uma situação duradoira de complacência, que redunda em cumplicidade, com os prevaricadores. Por isso, a temática da informação privilegiada, sendo muito específica e técnica, insere-se – como mostram os autores – no âmbito do que é tratado pelo Direito – “ius”, como expressão regrada da justiça numa certa sociedade.
Finalmente, não podemos deixar de salientar duas qualidades do Direito que marcam de forma profunda esta obra, determinando a durabilidade do agora escrito na circunstância dos autores e na condição atual do tema no panorama da literatura jurídica: a “fides” e a complexidade.
A “fides”, quando “bona”, porque é essa a marca fundamental de um direito positivo que se quer “ius”, como relembrou em texto fecundo e feliz o Professor António Menezes Cordeiro. A criação de condições de confiança entre as pessoas através de um conjunto de normas jurídicas que garantam ambientes onde o abuso, o engano e a traição têm consequências muito sérias para quem opta por assim proceder – é uma das principais tarefas do Direito nas sociedades atuais.
O Direito assume a sua missão de dever ser que é, em âmbito preventivo, fixando atenção minoritária na patologia dos comportamentos humanos que levam à repressão sancionatória dos prevaricadores. A obra tem na sua proporção doutrinária uma dimensão jurídica ligada a um silêncio imposto pela lei, como dever particular de alguns, pelos efeitos adversos que a revelação dos conteúdos informativos implicados Aqui, em particular, colocando o foco doutrinário na traição daqueles (os guardiões da informação privilegiada) em quem foi depositada a confiança, pela comunidade, na guarda de informação que não pode ser revelada a não ser nos termos legalmente previstos.
Os autores do livro isso mesmo intuíram e deixaram expresso no modo como organizaram a obra. A confiança é a base mais sólida de qualquer edifício normativo que seja jurídico e, no caso da informação privilegiada, é essa a sede onde, não desprezando as pontes interdisciplinares necessárias, o tema se insere e desenvolve.
Idêntica atitude autoral se revela quando são aduzidos dados de outras disciplinas, sobretudo pela via do comentário jurisprudencial, que mostram a estrutura complexa dos institutos jurídicos, apesar da sua aparente tecnicidade dogmática e especificidade metodológica.
Assim sendo, a leitura de “Do Crime de Abuso de Informação Privilegiada (‘insider training’)”. Uma análise “ius” dogmática entre sistemas e jurisprudências é um exercício gratificante e útil para os juristas; um contributo doutrinário para pensar as problemáticas colocadas pelo instituto da informação privilegiada; uma ajuda para os decisores sempre que esta matéria estiver envolvida nas suas sentenças. Boa leitura.

*Prefácio à obra “Do crime de abuso de informação privilegiada (insider trading)”. Uma análise ius dogmática, entre sistemas e jurisprudências”, da autoria de João Luz Soares e Ricardo Rodrigues, e que está no prelo. Edição Vida Económica.

O branqueamento de capitais e o financiameto do terrorismo

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António Pedro Ferreira

Professor Universitário e Jurisconsulto
1. Enquadramento
Acabou de entrar em vigor, no passado dia 17 de Setembro de 2017, a Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
Concretiza, por esta forma, três objectivos fundamentais:
a) A transposição parcial, para a ordem jurídica interna, da Directiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como da Directiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016, que altera a Directiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais;
b) O estabelecimento das medidas nacionais necessárias à efectiva aplicação do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, relativo às informações que acompanham as transferências de fundos e que revoga o Regulamento (CE) 1781/2006; e
c) Altera:
i. O Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro;
ii. O Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL n.º 36/2003, de 5 de Março.
Por outro lado, a nova lei procede à revogação:
a) Da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, sucessivamente alterada (lei do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo);
b) Do DL n.º 125/2008, de 21 de Julho, que introduziu um regime de fiscalização e de sanção contraordenacional aplicável a infracções aos deveres previstos no Regulamento (CE) n.º 1781/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Novembro de 2006, relativo às informações sobre o ordenante que acompanham as transferências de fundos; e
c) Da Portaria n.º 150/2013, de 19 de Fevereiro, que aprovou a lista de países ou jurisdições a que se referia o ponto 8) do artigo 2.º da Lei n.º 25/2008 – «País terceiro equivalente», o que constar de portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, como tendo regime equivalente ao nacional em matéria de prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo e de supervisão desses deveres e, em matéria de requisitos de informação aplicáveis às sociedades cotadas em mercado regulamentado, o que constar de lista aprovada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
O novo quadro de medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo apresenta vários aspectos dignos de nota, dos quais se podem destacar(1):

I. Enunciado de novas medidas de controlo interno
É de destacar a imposição, às entidades obrigadas, da instituição e aplicação de políticas e procedimentos de controlo interno, sob forma escrita e da responsabilidade do respectivo órgão de administração, definindo: (i) processos formais de captação, tratamento e arquivo de informação relativa à análise e tomada de decisões sobre potenciais suspeitas; (ii) mecanismos de teste à qualidade, adequação e eficácia desses processos; (iii) procedimentos de controlo dos concretos riscos de branqueamento e de financiamento do terrorismo inerentes à realidade operativa; (iv) um canal específico, independente e anónimo, para comunicação de eventuais violações e situações de risco; (v) um responsável (interno ou externo) pelo controlo do cumprimento do quadro normativo aplicável e pelo cumprimento das obrigações de comunicação e colaboração com as autoridades; (vi) ferramentas adequadas à gestão eficaz do risco, tais como bloqueios ou suspensão de operações.

II. Enunciado de um quadro alargado de deveres
Neste âmbito, a lei começa por referenciar um conjunto alargado de deveres gerais, de natureza preventiva, enunciados no artigo 11º, n.º 1: a) Dever de controlo; b) Dever de identificação e diligência; c) Dever de comunicação; d) Dever de abstenção; e) Dever de recusa; f) Dever de conservação; g) Dever de exame; h) Dever de colaboração; i) Dever de não divulgação; j) Dever de formação.
A título exemplificativo, podem destacar-se o dever de identificação e diligência e o dever de exame.
O dever de identificação e diligência impõe-se, nomeadamente, nas transacções ocasionais [artigo 23º, n.º 1, alínea b)]: (i) de valor igual ou superior a € 15.000,00; (ii) em quaisquer operações de transferência de fundos de valor superior a €1.000,00; e em quaisquer outras suspeitas de poder “estar relacionadas com o branqueamento de capitais ou com o financiamento do terrorismo” [artigo 23º, n.º 1, alínea c)].
Ao dever de identificação do beneficiário efectivo foram acrescidas as obrigações de consulta periódica das informações constantes do registo central do beneficiário efectivo (cujo regime jurídico foi aprovado pela Lei n.º 89/2017, de 19 de Agosto) e de comunicação de quaisquer desconformidades ao Instituto de Registos e Notariado, I. P..
Quanto ao dever de exame, dispõe o n.º 1 do artigo 52º que, sempre que detectem a existência de quaisquer condutas, actividades ou operações cujos elementos caracterizadores as tornem susceptíveis de poderem estar relacionadas com fundos ou outros bens que provenham de actividades criminosas ou que estejam relacionados com o financiamento do terrorismo, as entidades obrigadas examinam-nas com especial cuidado e atenção, intensificado o grau e a natureza do seu acompanhamento.

III. Enunciado de novos conceitos
O artigo 2º enuncia um conjunto vasto de conceitos, acrescendo o leque que constava do correspondente artigo da Lei n.º 25/2008, de 05 de Junho.
É o caso, por exemplo, dos conceitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, constantes das alíneas j) e s), respectivamente, do n.º 1 da referida disposição.

IV. Reforço do leque de entidades sujeitas
O leque de entidades sujeitas às disposições do novo regime legal foi alargado, ao nível das entidades financeiras e não financeiras (artigos 3º e 4º).
No primeiro caso, refiram-se as instituições de moeda electrónica ou sociedades de investimento; no segundo caso, refiram-se os concessionários de salas de jogo do bingo, os contabilistas certificados ou os operadores económicos que exerçam actividades leiloeiras ou de importação ou exportação de diamantes.

V. Alargamento do regime sancionatório
São criados três novos tipos de crime: (i) divulgação ilegítima de informação, (ii) revelação e favorecimento da descoberta de identidade; e (iii) desobediência, puníveis com penas de prisão ou de multa (artigos 157º a 159º).
 
2. Financiamento do terrorismo vs. branqueamento de capitais
O novo diploma reforça, concomitantemente, a separação conceptual entre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, tema que se afigura justificar aqui algumas reflexões suplementares.
Embora, tradicionalmente, tendam a ser sujeitos a uma análise comum, o financiamento do terrorismo e o branqueamento de capitais assumem-se como duas actividades perfeitamente diferenciadas, certamente entrosadas a ponto de constituírem, por vezes, apenas as duas faces de uma mesma medalha, mas, ainda assim, mantendo uma estrutura conceptual própria e diferenciada.
São, normalmente, apontados três factores de diferenciação entre ambos os comportamentos: (i) a motivação dos comportamentos; (ii) a origem dos fundos envolvidos; e (iii) as contramedidas adoptadas.

2.1 A motivação dos comportamentos
Bem mais relevante do que à primeira vista pode parecer, a motivação apresenta-se como um dos factores fundamentais de diferenciação entre o financiamento do terrorismo e o branqueamento de capitais, ainda que ambos constituam apenas meios de alcançar objectivos predeterminados.
O branqueamento de capitais tem em vista, fundamentalmente, o crescimento do lucro derivado de comportamentos adoptados à margem da lei: é o produto do tráfico de estupefacientes, de armas ou de pedras e metais preciosos; é o produto de uma corrupção generalizada (sob a forma de subornos, de apropriação ilícita de capitais alheios, de tráfico de influências, etc.).
As finalidades estão claramente delineadas: limpar a maior quantidade de dinheiro possível, dissociá-lo das actividades criminosas que, necessariamente, lhe estão na origem e transformá-lo em lucro aparentemente legítimo, que, por sua vez, poderá manter o sustento das actividades à sombra das quais foi realizado.
Inversamente, o terrorismo e os seus actores não estão directamente motivados pela obtenção de lucro, pois este constitui apenas um meio para a concretização de objectivos políticos ou ideológicos.
Por outro lado e em termos relativos, os montantes envolvidos podem ser bastante inferiores aos que se encontram no branqueamento de capitais.
De facto, os financiadores do terrorismo tendem a ser entidades colocadas fora das organizações terroristas, focalizando-se exclusivamente nas suas tarefas de luta ideológica e não em quaisquer outros meios de realização de capital.
O branqueamento constitui, pois, uma etapa a jusante do processo criminoso em que determinadas entidades ou organizações estão envolvidas e é concretizado normalmente por elas próprias, com o fito de assegurarem a protecção e a manutenção das fontes dos seus fundos ilegítimos; já o financiamento do terrorismo constitui uma etapa a montante do processo criminoso, que pode não estar com o mesmo envolvida e que apenas se destina a mantê-lo vivo e eficaz.
Esta diferenciação está claramente traduzida na definição que de ambos os conceitos é proporcionada pelo artigo 1º, n.ºs 3 e 5, respectivamente, da Directiva 2015/849/UE, ora parcialmente transposta, encontrando respaldo, como já referido, nas alíneas j) e s), respectivamente, do n.º 1 do artigo 2º da Lei n.º 83/2017:

Para efeitos da presente diretiva, entende-se por branqueamento de capitais os comportamentos a seguir descritos, quando praticados intencionalmente:
A conversão ou transferência de bens, com conhecimento de que esses bens provêm de uma atividade criminosa ou da participação numa atividade dessa natureza, com o fim de encobrir ou dissimular a sua origem ilícita ou de auxiliar quaisquer pessoas implicadas nessa atividade a furtarem-se às consequências jurídicas dos atos por elas praticados;
O encobrimento ou a dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, utilização, circulação ou propriedade de determinados bens ou de direitos sobre esses bens, com conhecimento de que tais bens provêm de uma atividade criminosa ou da participação numa atividade dessa natureza;
A aquisição, detenção ou utilização de bens, com conhecimento, no momento da sua receção, de que provêm de uma atividade criminosa ou da participação numa atividade dessa natureza;
A participação num dos atos a que se referem as alíneas a), b) e c), a associação para praticar o referido ato, a tentativa e a cumplicidade na sua prática, bem como o facto de facilitar a sua execução ou de aconselhar alguém a praticá-lo.

5. Para efeitos da presente diretiva, entende-se por «financiamento do terrorismo» o fornecimento ou a recolha de fundos, por qualquer meio, direta ou indiretamente, com a intenção de os utilizar, ou com conhecimento de que serão utilizados, no todo ou em parte, para praticar uma das infrações previstas nos artigos 1.º a 4.º da Decisão-Quadro 2002/475/JAI do Conselho(2).

 
2.2 A origem dos fundos envolvidos
O segundo elemento de diferenciação tem a ver com a origem dos fundos adquiridos, movimentados e utilizados pelas associações criminosas de natureza terrorista e não terrorista.
Com efeito, enquanto o branqueamento de capitais envolve, por definição, fundos de origem criminosa, já o mesmo não se verifica com o financiamento do terrorismo, que pode ser concretizado através de fundos de origem legítima, como sejam, por exemplo, as doações caritativas.
Note-se que a expressão“financiamento de terrorismo”é, normalmente, utilizada para descrever dois tipos diversos de actividades: em primeiro lugar, para designar o custeio da vivência das células terroristas e das despesas inerentes à concretização do acto projectado, abrangendo a subsistência dos elementos afectos à célula, a planificação do acto terrorista e sua preparação efectiva, o treino e a concretização final do acto; em segundo lugar, para designar a recolha de fundos, isto é, o processo através do qual uma organização terrorista recolhe o dinheiro necessário à concretização das suas actividades(3).
Em tese geral, o financiamento das actividades terroristas pode envolver ou não o sistema financeiro, em geral, com particular destaque para o seu sector bancário.
De facto, a diversificação própria de mecanismos e soluções disponibilizadas pelo sistema bancário constitui um território fértil que de há muito vem sendo aproveitado pelas organizações terroristas para financiamento das respectivas actividades.
Mas outras alternativas de financiamento têm vindo a conhecer uma utilização sistemática por parte de tais organizações: são os casos das doações caritativas e das remessas ou transferências concretizadas fora do sistema bancário.
As doações caritativas constituem um método de financiamento utilizado recorrentemente, por proporcionar a concretização simultânea de dois grandes objectivos: de um lado, permitir a obtenção de fundos com origem legítima e, assim, subtraí-los à atenção específica das autoridades de cada país; de outro lado, gerar uma publicidade positiva para a causa terrorista e conquistar apoio popular substancial, uma vez que uma parte de tais doações se destina, efectivamente, a objectivos humanitários, concretizados nas regiões mais carenciadas do globo.
Aliás, este último ponto dificulta, acrescidamente, a tarefa de prevenção e luta contra o financiamento do terrorismo dos governos das regiões para onde tais doações são normalmente enviadas, pelo ressentimento popular que tal reacção poderia naturalmente suscitar, dado o enquadramento descrito.
As remessas ou transferências concretizadas fora do sistema bancário constituem, por outro lado, um aspecto proeminente das economias muçulmanas, assumindo a designação árabe de hawala.
Mais uma vez, este sistema representa uma importante fonte de rendimento para parcelas substanciais das populações muçulmanas, situação que dificulta a adopção de reacções estruturadas e firmes por parte dos respectivos governos. O sistema da hawala apresenta, ainda, a especial vantagem de permitir às organizações terroristas a movimentação anónima de fundos, sem quaisquer rastos físicos ou electrónicos.
Por outro lado, este sistema envolve, em cada caso, a transferência de somas diminutas que, por isso, não suscitam as atenções do sistema financeiro, quando por ele devam circunstancialmente transitar. Mas o facto é que as somas envolvidas na globalidade destas remessas são astronómicas, supondo-se mudarem-se assim de mãos, anualmente, vários biliões de dólares.

2.3 As contramedidas
A Conferência de Madrid sobre Terrorismo, realizada entre 8 e 11 de Março de 2005, salientou a tarefa hercúlea que constitui a luta contra o financiamento do terrorismo:
“Se enfrentar o terrorismo desafiou até as mais sofisticadas defesas das nações modernas, então desafiar as redes de financiamento do terrorismo e evitar que os fundos cheguem aos terroristas provou constituir uma tarefa quase impossível”(4).
De facto, o combate ao branqueamento de capitais está, actualmente, muito melhor sistematizado, obedecendo a mecanismos bem definidos e experimentados.
A premissa básica no combate ao branqueamento tem a ver com o facto de os bancos terem acesso tanto às informações relativas aos seus clientes como às das respectivas contas bancárias, estando especialmente bem posicionados para detectar quaisquer irregularidades que possam indiciar procedimentos de branqueamento.
Assim se entende a teia de deveres que as legislações normalmente definem para o efeito sobre as entidades financeiras, em especial, constituindo o caso português um bom exemplo da correcta definição dos mecanismos legais tendentes a prevenir o branqueamento de capitais.
Dado o exposto em observação breve, o que importa agora analisar é a razão pela qual as metodologias de prevenção e reacção contra o branqueamento de capitais suscitam problemas de eficiência no combate ao financiamento do terrorismo.
De facto, o financiamento do terrorismo envolve circuitos que, muitas vezes, apenas têm a ver com quantias irrelevantes, do ponto de vista bancário clássico no contexto do branqueamento de capitais, destinadas a finalidades comuns e usuais, situação que os bancos não estão em posição de identificar negativamente, por não envolverem procedimentos fora do comum que suscitem quaisquer alertas.
Isto não significa que as metodologias clássicas de combate ao branqueamento de capitais (nomeadamente a confiscação de bens e a regulação bancária apertada) devam ser afastadas do combate ao financiamento do terrorismo, pois as mesmas podem e devem ser accionadas sempre que tal se justifique. Mas o que importa reter é que, perante tais metodologias, permanece latente a pedra de toque do problema: como detectar movimentações inócuas destinadas à concretização de actos terroristas, a menos que tais movimentações tenham origem em fontes suspeitas.
A associação de comportamentos preparatórios à concretização efectiva do circuito terrorista implica que os governos e as autoridades financeiras adoptem perspectivas diversificadas nos seus esforços de incrementar um sistema bem-sucedido de identificação do financiamento terrorista, em áreas onde as metodologias de branqueamento de capitais podem sucumbir.
Tal tarefa tem-se revelado de muito difícil concretização, como o demonstra o insucesso a que determinadas tentativas encetadas ao nível do sistema financeiro norte-americano foram votadas: por um lado, a iniciativa da New York Clearinghouse(5) de produzir um perfil financeiro dos operacionais terroristas operando em território americano; por outro lado, a iniciativa de concretizar um projecto de identificação de actividades de recolha de fundos destinados ao financiamento do terrorismo, no elo inicial do ciclo terrorista. Utilizando o exemplo fornecido pela National Commission on Terrorist Attacks upon the United States (NCTAUS), uma organização islâmica que recolhe fundos de pequenos doadores, agrega o produto dessa recolha e procede todos os meses a largas transferências electrónicas para a Chechénia, para o Afeganistão ou para a Palestina, pode revelar uma operação de recolha de fundos para finalidades terroristas; mas pode, por outro lado, ser apenas uma operação humanitária de inquestionável legitimidade, destinada a auxiliar civis em regiões especialmente desfavorecidas do globo(6).

3. A relevância da cooperação internacional
Com base na Convenção Internacional para a Repressão do Financiamento do Terrorismo (1999), a resolução 1373 (2001) do Conselho de Segurança instou os Estados a prevenir e reprimir o financiamento do terrorismo, nomeadamente através da criminalização da recolha e da disponibilização de fundos para objectivos terroristas, salientando a necessidade de serem criados mecanismos efectivos para congelar fundos e outros activos financeiros de pessoas envolvidas ou associadas ao terrorismo, bem como evitar que tais fundos sejam disponibilizados aos terroristas.
O congelamento de bens terroristas é uma forma altamente eficaz para os Estados-Membros deterem o fluxo de fundos. Também pode ser um impedimento para o envolvimento adicional na actividade terrorista.
Mas esta tarefa de implementação de mecanismos efetivos de congelamento enfrenta dificuldades sérias e diversas, ao nível da sua consistência com as normas e obrigações internacionais, incluindo as obrigações relevantes em matéria de direitos humanos.
Releva aqui, igualmente, a necessidade de ser contrariado o uso indevido de organizações sem fins lucrativos e de sistemas alternativos de remessa para fins de financiamento do terrorismo, bem como de detectar e prevenir o transporte transfronteiriço ilícito de moeda (problema significativo nas economias baseadas em caixa).
Neste quadro, importa salientar o papel desenvolvido pela Financial Action Task Force (FATF), que tem desenvolvido recomendações detalhadas sobre a luta contra o financiamento do terrorismo.
Os montantes avultados levantados por organizações terroristas e o financiamento de combatentes terroristas estrangeiros ressaltam a importância de neutralizar os recursos terroristas, disso dando nota a Resolução 2178 (2014), na qual o Conselho de Segurança instou os Estados-Membros a interromperem tais manifestações de financiamento do terrorismo e a sua criminalização.
A luta eficaz contra o financiamento do terrorismo depende, pois, em larga medida, de uma cooperação interestadual alargada, tanto a nível regional como internacional, nomeadamente através do intercâmbio de informações operacionais entre as entidades relevantes, especialmente as unidades nacionais de informação financeira.

*Por opção do autor, este texto não segue o Novo Acordo Ortográfico

NOTAS:
1. Para um desenvolvimento de análise, cfr. PLMJ, Combate ao Branqueamento e Financiamento do Terrorismo, Agosto de 2017, em www.plmj.com/know_newsletters_detail.php?aID=17884, que sustenta esta parte do presente texto.
2.  JO L 164, 22.6.2002, p. 3-7. Ao disposto nesta Decisão-Quadro foi dado cumprimento através da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto (Lei de Combate ao Terrorismo), subsequentemente alterada pelas Leis nºs 59/2007, de 04 de Setembro, 25/2008, de 05 de Junho, 17/2011, de 03 de Maio e 60/2015, de 24 de Junho.
3 .  Sobre esta matéria, cfr. GOMES, Andreia Filipa Nogueira, Terrorismo Jihadista e Contra-Terrorismo: Estudo Comparado entre a União Europeia e a Indonésia, Lisboa: ISCSP/UTL, 2013, pp. 78 ss.
4.  NAPOLEONI, Loretta / CARISCH, Rico, Terrorist Finance, em AA. VV., Confronting Terrorism. The Club de Madrid Series on Democracy and Terrorism, II, Madrid: Club de Madrid, 2005, p. 30.
5.  Consórcio privado de bancos de grande porte.
6.  Sobre o ponto, ROTH, John / GREENBURG, Douglas / WILLE, Serena, Monograph on Terrorist Financing, Washington: NCTAUS, 2004, pp. 52 ss.


Direito Penal

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Recolha elaborada por Colaboradores da RSA LP – Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa, fundada pela Raposo Subtil e Associados, Sociedade de Advogados: João Luz Soares (Coordenação), Luís Freitas e Gonçalo Cardão

Em consonância com a temática sobre a qual versa a presente edição, indica-se um conjunto de diplomas que conformam o enquadramento legal do Direito Penal e Direito Processual Penal, nos diversos países da Lusofonia.
Dado que esta matéria, na maioria dos diplomas dos Países de Língua Portuguesa, não se esgota no Código Penal, estendendo-se aos restantes Ramos de Direito, procurou-se, simultaneamente, elencar os diplomas mais relevantes que a essas matérias dizem respeito.
No entanto, uma vez que a produção legislativa associada a estas matérias se difunde para além dos diplomas aqui elencados, e considerando que apenas foram selecionados os diplomas principais, não se dispensa a consulta de outros que aqui não se encontrem mencionados, e para os quais sempre remeteremos.





Portugal

Código Penal

Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, alterado pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio versando, esta última, sobre o regime da perda de instrumentos, produtos e vantagens e ainda a alteração do regime penal das causas de extinção da responsabilidade criminal.

Código de Processo Penal
Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio, consubstanciando-se esta última na simplificação dos procedimentos inerentes à aplicação de medidas de garantia patrimonial.

Ilícito de Mera Ordenação Social (RGOC)
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, resultou da necessidade de reafirmar a vigência do direito de ordenação social no ordenamento jurídico português.

Legislação conexa: Código da Estrada
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 03 de Maio, alterado pela Lei n.º 47/2017, de 07 de Julho. Em matéria de direito penal tipifica diversas condutas desde meros ilícitos contra-ordenacionais a crimes.

Código da Justiça Militar
Aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro, cuja aplicação depende da natureza estritamente militar do crime, tipificando e estatuindo as medidas destes mesmos crimes.

Código do Trabalho
Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 28/2016, de 23 de Agosto. Neste diploma existe uma protecção acrescida do trabalhador em relação ao empregador, revelando-se muitas vezes a tipificação das condutas ilícitas como contra-ordenações.

Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Pública
Aprovado pelo Decreto-Lei nº18/84, de 20 de Janeiro de 1984, cuja última alteração foi dada pela Lei nº20/2008, de 21 de Abril de 2008. Este regime surge com a necessidade de tipificação de novos ilícitos penais, definindo novas penas ou modificando as actuais na matéria de infracções antieconómicas e contra a saúde pública.

Legislação de Combate à Droga
Aprovada pelo Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro de 1993, sendo a versão mais recente regida pela Lei nº 7/2017, de 2 de Fevereiro de 2017. Versa sobre o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

Lei do Cibercrime
Aprovada pela Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro de 2009, surgiu a par da necessidade de criação de um regime penal para os ilícitos cibernéticos, esta lei adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa.

Lei do Combate ao Terrorismo
Aprovada pela Lei nº 52/2003, de 23 de Agosto de 2003, e alterada pela lei nº 60/2015, de 24 de Junho de 2015. Tem por objecto a previsão e punição dos actos e organizações terroristas.

Medidas de Combate à Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira
Aprovado pela Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, alterado pela lei nº 32/2010, de 02 de Setembro.

Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes
Aprovado pela Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, resulta da necessidade de definir o âmbito do artigo 9º do Código Penal, reconhecendo que aos indivíduos imputáveis entre os 16 e 21 anos deve haver um tratamento especializado.





Angola

Código Penal

Aprovado pelo Decreto nº 16/09/1886, de 20 de Setembro de 1886, alterado pelo Decreto-Lei nº 7/00, de 03 de Novembro de 2000.

Código de Processo Penal
Aprovado pelo Decreto nº 16489, de 19 de Março de 1931, alterado pela Lei nº 23/12, de 14 de Agosto de 2012 a qual vem a alterar a matéria relativa à conexão objectiva por comparticipação.

Legislação conexa: Lei Contra a Violência Doméstica
Aprovada pela lei nº 25/11, de 14 de Julho de 2011, insere no ordenamento jurídico o regime de prevenção da violência doméstica e de protecção e assistência às vítimas de violência doméstica.

Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal
Aprovada pela Lei nº 25/15, de 19 de Junho de 2015, que vem a estabelecer o procedimento de extradição, transmissão de processos penais, auxílio judiciário, cooperação no cibercrime entre outras matérias cautelares.

Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal
Aprovada pela Lei nº 25/15, de 16 de Dezembro de 2015, o qual estabelece um novo regime de medidas cautelares revogando todos os preceitos que contrariem as disposições da presente Lei.

Lei dos Crimes Militares
Aprovada pela Lei nº 4/94, de 28 de Janeiro de 1994, estabelecendo quais as condutas comissivas ou omissivas que são tipificadas como crime em violação de um dever militar.

Lei Sobre a Justiça Penal Militar
Aprovada pela Lei nº 5/94, de 11 de Fevereiro de 1994 e alterado pela Lei nº 1-A/08, de 27 de maio de 2008, que regula os poderes, competências e jurisdição, entre outras matérias, dos Tribunais Militares.




Brasil

Constituição da República Federativa do Brasil

TÍTULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

CAPÍTULO I

DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)

Decreto-Lei nº 2.848, de 07.12.1940
O presente diploma aprova o Código Penal Brasileiro.

Decreto-Lei no 3.689/1941
O presente diploma aprova o Código de Processo Penal.

Legislação conexa: Decreto-Lei nº 3.688/1941
O presente diploma estabelece o regime das Contravenções Penais.

Lei nº 8.072/199
O presente diploma dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal.

Lei nº 9.099/1995
O presente diploma estabelece regras sobre a competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Lei nº 9.503/1997
O presente diploma estabelece o regime que regula o trânsito por qualquer natureza das vias terrestres no território nacional.

Lei nº 11.343/06
O presente diploma regula o consumo de estupefacientes e as suas consequências legais.





CABO VERDE

Código Penal

Aprovado pelo Decreto nº 4/2003, de 18 de Novembro de 2003, alterado pela lei 73/VIII/ 2014, de 19 de Setembro de 2014.

Código Processo Penal
Aprovado pelo Decreto nº 16489 e revogado pelo Decreto-Legislativo nº 2/2005, sendo depois republicado o Código de Processo Penal através da Republicação nº 23/12/2015, de 23 de Dezembro 2015, cuja última alteração se deu pela lei nº 112/2016 de 02 de Março de 2016, alterando a parte respeitante aos casos em que não é admissível recurso.

Legislação conexa: Lei da Execução da Política Criminal
Aprovada pela lei nº78/VII/2010, tem como objectivo prevenir e reprimir a criminalidade e reparar os danos dela resultante, tomando em consideração as necessidades concretas de defesa dos bens jurídicos e das vítimas, bem como a reintegração do agente do crime na vida comunitária

Lei da Investigação Criminal
Aprovada pela lei nº 30/VII/2008, regula a investigação criminal, enquanto actividade que compreende o conjunto das diligências destinadas, no âmbito do processo penal, a recolher os indícios do crime, descobrir e recolher provas e a determinar os seus agentes.

Lei da Protecção de Testemunhas em Processo Penal
Aprovada pela Lei nº 81/VI/2005, sendo que esta lei preceitua sobre a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal.

Lei da Segurança Interna e Prevenção da Criminalidade
Aprovada pela lei nº 16/VII/2007, define a actividade a desenvolver pelo Estado, através das forças e serviços de segurança, bem como as medidas cautelares de polícia a adoptar para garantir a ordem, a segurança e tranquilidade pública, regular o exercício de direitos e liberdades fundamentais das pessoas e prevenir a criminalidade.

Lei sobre a Prevenção do Crime de Lavagem de Capitais
Aprovada pela Lei nº 38/VII/2009, de 27 de Abril de 2009, estatuindo várias medidas destinadas a prevenir e reprimir os crimes de lavagem de capitais.

Regime Jurídico de Combate ao Furto e à Fraude de Energia Eléctrica
Aprovado pela Lei nº 73/VIII/2014, de 18 de Dezembro de 2014, estabelece o regime jurídico de combate ao furto e fraude de energia elétrica, tipificando como crime este tipo de acção.





Guiné-Bissau

Código Penal

Aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/93, de 13 de Outubro de 1993, alterado pela Lei nº2/2002, de 27 de Maio de 2002, sendo a alteração respeitante à tipificação do crime de furto qualificado.

Código do Processo Penal
Aprovado pelo Decreto-lei n.º 5/93, de 11 de Novembro de 1993, alterado pela Lei nº 15/2011, de 12 de Outubro de 2011, perfazendo alterações em muitas das matérias constantes do Código do Processo Penal.

Legislação conexa: Decreto-Lei n.º 2-B/93, de 28/10/1993
Criminaliza a produção e tráfico de drogas no território nacional, tipificando os tipos de crimes bem como as suas penas.

Lei 6/2014, de 04/02/2014
Aprova a criminalização dos actos de violência no âmbito das relações domésticas e familiares.

Lei dos Crimes Cometidos por Titulares de Cargos Políticos
Aprovada pela Lei nº 14/97, de 2 de Dezembro de 1997, nasce com o propósito de combater a corrupção no poder de cargos políticos estabelecendo deste modo a tipificação e consequente penalização destes crimes.


 


Macau

Lei n.º 11/95/M

Autorização legislativa para aprovação do Código Penal.

Decreto-Lei n.º 58/95/M
 O presente diploma aprova o Código Penal.

Lei n.º 6/2001
O presente diploma agrava a pena pela circunstância da utilização de inimputáveis para a prática de crimes.

Lei n.º 3/2006
O presente diploma previne contra os crimes de terrorismo.

Lei n.º 6/2008
O presente diploma estabelece medidas de combate ao crime de tráfico de pessoas.

Lei n.º 11/2009
O presente diploma estabelece normais de modo a fazer face à criminalidade informática.

Lei n.º 17/2009
O presente diploma proíbe a produção, tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.

Lei n.º 2/2016
O presente diploma estabelece medidas de prevenção com vista ao combate da violência doméstica.





Moçambique

Código Penal
Aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 31 de Dezembro de 2014, entra em vigor o novo Código Penal Moçambicano que, deste modo, enceta uma grande transformação no Ordenamento Jurídico-penal Moçambicano, adaptando-se o regime às situações actuais.

Código do Processo Penal
Aprovado pelo Decreto nº 16489, de 25 de Junho de 1931, alterado pela Lei nº 2/93, de 24 de Junho de 1993.

Legislação conexa: Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo
Aprovada pela Lei nº 14/2003, a qual estabelece o regime jurídico e as medidas de prevenção e repressão, em relação à utilização do sistema financeiro e das entidades não financeiras para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo

Lei dos Crimes contra a segurança do Estado
Aprovada pela lei nº19/91 de 16, de Agosto de 1991, criada com o intuito de criminalizar a espionagem, crimes de alta traição, terrorismo e sabotagem, entre outras matérias atentatória da segurança pública e estadual.

Lei sobre Tráfico e Consumo de Estupefacientes
Aprovada pela Lei nº 3/97, de 13 de Março de 1997, advém da necessidade de criação de um regime jurídico que vise o combate ao tráfico e respectivo consumo de estupefacientes.

Lei sobre a Violência Doméstica Praticada contra a mulher
Aprovada pela Lei nº 29/2009, de 29 de Setembro de 2009, tem como teleologia a criminalização da violência doméstica contra a mulher no âmbito das relações domésticas.





São Tomé e Príncipe

Código Penal
Aprovado pelo Decreto nº 6/2012, de 06 Agosto de 2012, dá-se, nesta data, a entrada em do novo código Penal de São Tomé e Príncipe, cuja única alteração deu-se através da entrada em vigor da Lei 8/2013, que versa sobre as medidas preventivas e repressivas contra o branqueamento de capitais.

Código do Processo Penal
Entra em vigor através da Rectificação nº 10/08/2010, que por sua vez rectifica e republica a Lei n.º 5/2010, de 31 de Dezembro de 2009. Estabelece-se deste modo os princípios gerais do processo penal em São Tomé e Príncipe, determinando as regras jurídicas relativas à acção penal e ao processo judicial pena.

Legislação conexa: Cooperação Internacional em Matéria Penal
Aprovada pela Lei n.º 6/2016, de 30 de Dezembro 2016, cuja “ratio” vem estabelecer os princípios gerais de cooperação internacional no que diz respeito a matérias penais.

Decreto Presidencial 12/2005
Estabelece a redução para um terço das penas de prisão aplicadas às pessoas singulares condenadas pelos crimes punidos com as penas prevista nos números 1 a 5 do artigo 55.º, do Código Penal e a amnistia das penas de prisão aplicadas aos condenados pelos crimes previstos no artigo 56.º do Código Penal.

Lei da Extradição
Aprovada pela Lei nº 12/99, de 31 de Dezembro de 1999, prevê o processo de extradição dos cidadãos estrangeiros, relevando para o direito penal a extradição como consequência da prática de um tipo de crime.

Lei de Execução de Penas e Medidas Privativas de Liberdade
Aprovada pela Lei nº 3/2003, de 2 de Junho de 2003, criando a obrigação de proporcionar aos reclusos condições de vida, o mais similares possível às circunstâncias gerais de vida em Liberdade, de modo a que na completude da pena, aquando da saída de reclusão haja uma inserção mais fácil na sociedade sem a nova prática de crimes.

Lei sobre a Violência Doméstica e Familiar
Aprovada pela Lei nº 11/2008, de 29 de Outubro de 2008, baseando-se na tentativa de eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, criminalizando deste modo a violência doméstica e familiar. Tem por base a Convenção da Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres.

Regulamentação do Regime Penal do Código da Pecuária
Aprovado pelo Decreto-Lei nº 23/2015, de 23 de Dezembro de 2015, estabelecendo assim um regime penal para as infracções cometidas aquando da comercialização de animais ou produtos animais.

Advogados pedem ratificação do protocolo do Tribunal Africano dos Direitos Humanos

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Guiné-Bissau
O bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau, Basílio Sanca, considerou recentemente como “fundamental” que o país ratifique o protocolo de criação do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos. “É fundamental que o Estado da Guiné-Bissau ratifique o protocolo de criação do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, evoluindo no sentido de garantir a plena proteção dos direitos humanos no seu território”, afirmou Basílico Sanca, em declarações reproduzidas pela agência Lusa.

O bastonário da Ordem dos Advogados guineense falava no seminário realizado pelo Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos em Bissau para sensibilizar as autoridades guineenses a ratificar o protocolo, que permite o acesso das organizações não-governamentais e indivíduos àquele órgão judicial da União Africana. “A questão da proteção dos direitos humanos não é um assunto interno dos estados ou uma faculdade dos estados. Ela implica uma obrigação internacional supraestadual, ao mesmo tempo, uma obrigação moral de aceitação de conquistas da sociedade no âmbito da proteção dos direitos humanos”, sublinhou Basílio Sanca.
Para Basílio Sanca, a Guiné-Bissau tem uma “oportunidade para avançar no sentido de ratificar o instrumento da criação do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e do Povos, tornando-se num Estado de Direito com ambição de assegurar mais garantias de acesso a instâncias judiciais no seu ordenamento jurídico para a garantia dos direitos, liberdades e garantias das pessoas no seu território”.
O bastonário da Ordem dos Advogados apelou também para o reforço da ação do Estado no domínio dos direitos humanos e para o aumento da cooperação com as instituições nacionais e internacionais que atuam no domínio da proteção dos direitos humanos. O Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos foi criado em 2006. Dos 55 estados-membros da União Africana, apenas 33 ratificaram o protocolo e somente oito submeteram a declaração de aceitação de competência do Tribunal, que permite o acesso das organizações não-governamentais e dos indivíduos àquele órgão judicial.

Assinalados 150 anos de lei que acabou com a pena de morte

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Portugal
O Fórum Penal - Associação de Advogados Penalistas não deixou passar em branco os 150 anos da aprovação da Carta de Lei de abolição da pena de morte para os crimes civis, que se assinalaram a 1 de julho de 2017.
“O simbolismo da Carta de Lei ultrapassa as fronteiras nacionais, tendo servido de inspiração para outros Estados. Portugal foi, nesta matéria, pioneiro, na Europa e no Mundo. A Carta de Lei de 1867 viria inclusivamente a ser reconhecida em 2015 como Marca do Património Europeu, por consagrar ideais de respeito pela vida e pela dignidade humana atualmente plasmados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”, foi sublinhado em comunicado.
O Forum Penal aproveitou a celebração desta efeméride para enfatizar “a necessidade de serem respeitados, mesmo em estado de emergência, a dignidade da pessoa humana e o direito à vida, pugnando pela abolição universal e irrestrita da pena de morte”.
O Fórum Penal é uma associação sem fins lucrativos que pretende proporcionar um espaço de debate livre sobre a advocacia criminal e a vida forense criminal e sobre a defesa dos direitos fundamentais no processo penal.

Lançado novo portal online dos serviços da Justiça

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Tecnologia
O Ministério da Justiça lançou uma nova Plataforma Digital da Justiça que reúne, pela primeira vez num único local (justiça.gov.pt), as diferentes áreas, temáticas e serviços da justiça, como sejam registos, tribunais, reinserção e serviços prisionais, propriedade industrial, medicina legal ou investigação criminal.

Nesta fase, encontram-se já agregados 68 serviços, sendo de destacar opções como “consultar o meu processo executivo”, “iniciar processo de casamento”, “pedir certidão de nascimento”, “pedir certidão judicial eletrónica”, “balcão divórcio com partilha”, “pedir e consultar registo criminal de pessoas”, “agendar pedido do cartão de cidadão” e “pedir mediação laboral”.
Para além da disponibilização de serviços, esta plataforma passa igualmente a juntar, com uma mesma imagem transversal, todos os organismos sob a alçada do Ministério da Justiça, incluindo a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça.
Segundo dados do gabinete da secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso, citados pela TVI, esta plataforma disponibiliza informação e estatísticas nas diferentes áreas da justiça, facilita a participação dos cidadãos na ação governativa e disponibiliza ferramentas para ligação às comunidades científicas, académicas e empresariais. É intenção do Ministério da Justiça que esta plataforma digital da justiça evolua de forma progressiva, com mais conteúdos, funcionalidades e serviços.
A plataforma insere-se no Plano de Ação de Modernização e de Transformação da Justiça/Justiça mais Próxima, lançado em março de 2016 e que inclui mais de 130 medidas, 45 já concluídas e 47 em curso.
O Governo acredita que a Plataforma Digital da Justiça terá adesão quer de utentes quer de profissionais do setor, já que facilita o acesso a informação e a serviços como certidões judiciais. Em declarações aos jornalistas citadas pela TVI, a secretária de Estado da Justiça sublinhou que a criação desta plataforma permite “melhorar e agregar toda a informação” e serviços online da justiça destinados aos cidadãos e profissionais ligados ao setor. Por outro lado, permite fazê-lo com uma linguagem e com uma simplicidade que eu diria que é 1,2,3,4, ou seja, pedir, processar, pagar e receber”, explicou Anabela Pedroso, referindo que esta “transformação digital” implicou um investimento de 520 mil euros, com verbas provenientes do Fundo de Modernização da Justiça.

Desconvocada greve dos Juízes

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Portugal
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) desmarcou a greve que tinha convocado para 3 e 4 de outubro, disse à Lusa a presidente da estrutura sindical. Segundo Manuela Paupério, a paralisação foi desconvocada após a ASJP ter verificado “grande abertura” dos grupos parlamentares para “discutir integralmente” o estatuto dos magistrados judiciais.
“A direção reuniu-se ontem [19 de setembro] e estivemos a ponderar esta situação e concluímos pela desconvocação da greve. Entendemos que era melhor não a fazer nesta altura”, adiantou Manuela Paupério, comentando que, “às vezes, é mais corajoso recuar do que persistir”.
“É evidente que tínhamos razões para a greve, que continuam a ser válidas, mas, perante esta abertura dos senhores deputados, que são quem tem competência para aprovar, vamos esperar efetivamente que honrem a palavra que nos deram de que o estatuto vai ser discutido por inteiro”, sustentou a presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. Manuela Paupério espera que as pretensões dos juízes de terem “uma carreira que permita a progressão e que seja atrativa para os melhores” tenham “tradução no estatuto que vai ser aprovado”. “Foi isto que nos foi dito pelos senhores deputados” e, em função disso, entendemos que a desconvocação da greve era “a decisão mais ajustada”.

Procuradores recebem formação em Portugal

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Cabo Verde
Sete procuradores recém-nomeados para o Ministério Público cabo-verdiano vão receber formação técnica em Portugal no âmbito de uma parceria entre o sistema das Nações Unidas em Cabo Verde e o Centro de Estudos Judiciais (CEJ) português.

A informação foi avançada pelo Ministério Público de Cabo Verde, através da sua página oficial na internet e difundida pela Lusa. Os sete juristas foram nomeados procuradores assistentes em abril e tomaram posse a 1 de setembro, na sequência de concurso público.
A nomeação é provisória, seguindo-se um período de estágio de 18 meses, durante o qual os procuradores irão receber formação em Portugal. Organizada pelo Conselho Superior do Ministério Público, em parceria com o Sistema das Nações Unidas em Cabo Verde e o CEJ, a formação decorrerá no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, e terá a duração de quatro meses e meio, com início a 14 de setembro e término a 31 de janeiro de 2018.
“Durante a ação de formação, que terá natureza teórico-prática e versará essencialmente sobre o Direito cabo-verdiano, serão abordados temas de direito penal e processual penal, direito civil e processual civil, direito da família e crianças, direito do trabalho e processo do trabalho e ética e deontologia”, adianta a informação do MP.
No decorrer do período de formação, os procuradores realizarão visitas de estudo a diversas instituições judiciárias que cooperam com o Ministério Público cabo-verdiano e assistirão a ações de formação dirigidas a magistrados portugueses na sede do CEJ. Está previsto também um estágio de observação nos tribunais.
A insuficiência de recursos humanos é uma das principais queixas do Ministério Público em Cabo Verde, que, segundo o mais recente relatório anual sobre a situação da justiça (2015/2016), tinha ao serviço 59 magistrados e 113 oficiais de justiça, num período em que entre transitados e novos o Ministério Público movimentou mais de 125 mil processos.

Procuradora-Geral da República tomou posse

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Brasil
Raquel Dodge tomou esta segunda-feira posse como nova Procuradora-Geral da República brasileira, tornando-se na primeira mulher a assumir o cargo. Como cartão de visita apresenta trinta anos de carreira, em que se destacou no combate ao crime organizado e à corrupção, tendo sido a principal responsável pela Operação Caixa de Pandora, que culminou com a prisão do Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. No momento do discurso, Raquel Dodge apelou ao respeito e à harmonia entre as instituições, segundo noticiou a Euronews.

Já o presidente brasileiro, Michel Temer, responsável pela sua nomeação, sublinhou que a lei é a principal autoridade do país e que a Constituição estabelece que o poder não lhe pertence, mas sim ao povo. Raquel Dodge tem nas mãos o futuro da Operação Lava Jato, pegando no trabalho iniciado pelo seu antecessor, Rodrigo Janot. A troca de liderança no Ministério Público dá-se menos de uma semana depois de Janot ter apresentado uma denúncia contra Temer por organização criminosa e obstrução de justiça.
Pela primeira vez no Brasil, duas mulheres estão à frente da Justiça: Raquel Dodge e Cármen Lúcia, a primeira mulher a presidir o Supremo Tribunal Federal.

“As taxas de arbitragem e encargos com os processos arbitrais são absolutamente proibitivos”

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PATRICK MORAIS DE CARVALHO
Presidente do Clube de Futebol Os Belenenses, advogado e co-autor do Dicionário de Autores Portugueses e também Quem Marca este Penalty?, Patrick Morais de Carvalho aborda nesta entrevista o regime das sociedades desportivas, o Tribunal Arbitral do Desporto, as compensações a clubes formadores e a proibição de os direitos desportivos serem detidos por partes terceiras

Considera que o atual regime das sociedades desportivas regula convenientemente as relações entre clubes fundadores e as sociedades desportivas pelos mesmos fundadas?
O regime jurídico atual procurou, sem ter sido plenamente bem sucedido, dotar as sociedades desportivas dos instrumentos necessários que permitam a sua adoção pelos clubes participantes em competições desportivas de carácter profissional, tendo havido o bom senso de se salvaguardar, entre outros aspectos, a defesa dos direitos dos associados do clube fundador, atribuindo-lhes direitos especiais, nomeadamente garantindo a obrigatoriedade das instalações desportivas reverterem para o clube em caso de extinção da sociedade. A verdade é que a realidade das sociedades desportivas reclama, em vários aspectos, um regime especial, na medida em que são tutelados interesses específicos, muito diferentes daqueles que estão na génese do regime geral das sociedades comerciais. Por isso, seria necessário que o legislador fosse suficientemente hábil na identificação desses interesses e na escolha dos meios que permitissem assegurar, de modo eficaz e coerente, a respectiva tutela, o que não me parece que tenha acontecido. As SAD são tratadas como verdadeiras sociedades comerciais de capitais quando o legislador devia intuir que essas sociedades têm especificidades próprias, desde logo porque têm investimento de “coração”, de “sentimento” – que é o investimento dos sócios do clube fundador –, motivo pelo qual tem sido tão difícil chegar a um regime substantivo perfeito, que preveja todas as especificidades e características destas sociedades. É verdade que, no plano teórico, as acções de que os clubes fundadores são titulares conferem sempre o direito de veto sobre as matérias estruturantes da sociedade e que a atribuição desses direitos de veto tem implícita uma manifestação fortíssima do princípio da prevalência do clube no processo decisório da sociedade, mas, na realidade, esse mecanismo não consegue per si garantir que, na prática, haja uma política de estreita proximidade entre investidores e clube fundador e não consegue evitar investidas puramente especulativas sobre os clubes fundadores. Diria, em suma, que a falta de sensibilidade do legislador paira sobre as SAD, que a redação pouco clara e de difícil articulação sistemática que atravessa todo o regime suscita problemas e que se deveria olhar com especial atenção para a necessidade dos clubes fundadores serem mais protegidos, os membros nomeados pelos clubes fundadores deverem ser obrigatoriamente elementos executivos das sociedades, sendo que, em paralelo, não é aceitável que se reduza o limiar da participação mínima dos clubes fundadores para 10% do capital, reduzindo ao mesmo tempo as suas garantias e as dos seus representantes em cada momento, enquanto titular da SAD. Acrescento ainda que seria também muito importante garantir-se que a livre transmissibilidade de acções não põe em causa os princípios da verdade desportiva e a integridade das competições, ao mesmo tempo que é imperioso encontrarem-se ferramentas de articulação com as entidades policiais no sentido de ser feito um maior rastreio sobre os fluxos financeiros das SAD.

É vantajosa a criação do Tribunal Arbitral do Desporto para a discussão de matérias desportivas?
O TAD, que iniciou funções no dia 1 de Outubro de 2015, foi idealizado com o objetivo de assegurar a realização da justiça desportiva através da universalidade, autonomia e especialização, e, entre as suas atribuições, destacam-se a competência exclusiva para apreciação dos litígios emergentes de sanções aplicadas pelos órgãos disciplinares das federações desportivas e ligas profissionais, e para a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho que assim sai da alçada da Comissão Arbitral Paritária. E portanto, em tese, a criação do TAD é vantajosa e constitui uma evolução se acreditarmos que os conflitos do desporto, e do futebol português em particular, vão ser objecto de decisões mais céleres e mais justas com esta especialização da justiça desportiva. Só o decorrer do tempo poderá trazer a resposta a esta questão, sem que desde já tenha que se colocar a questão dos preços do acesso a esta nova justiça desportiva, uma vez que, para já, as taxas de arbitragem e encargos com os processos arbitrais são absolutamente proibitivos para a generalidade dos potenciais interessados, o que pode impedir o acesso à justiça desportiva que em tese deve ser universal.

Faria sentido um tribunal deste tipo de âmbito exclusivamente lusófono?
Podia fazer sentido surgir algo dentro dessa matriz no âmbito da lusofonia, reforçando-se a importância da língua portuguesa, que se afirma cada vez mais como um instrumento de comunicação com dimensão global. Ou seja, é inquestionável a existência de uma zona de conforto afectiva e cultural entre os falantes do português e, portanto, esse é um fenómeno natural que se poderia aprofundar também na vertente do direito desportivo.
 
Encontra-se devidamente regulada a matéria respeitante às compensações a clubes formadores, nomeadamente por via dos direitos de formação e mecanismos de compensação?
Ambas as situações estão, na minha opinião, devidamente reguladas, entendendo-se genericamente que os clubes que participem na formação do jogador têm direito a uma compensação de natureza financeira, quando o mesmo celebre o primeiro contrato de trabalho desportivo até ao final da época em que complete 23 anos de idade, sendo certo que o pagamento da compensação de formação deve ser efectuado pelo clube que profissionalizou o jogador, considerando-se inquestionável que é o acto de celebração de contrato, e não o seu registo, que determina o pagamento dessa compensação de natureza financeira. Por seu turno, o mecanismo de solidariedade internacional existe para premiar e motivar os clubes/sociedades desportivas que treinam jovens jogadores, para além de estimular a solidariedade no seio do mundo do futebol, encontrando-se plasmado no artigo 21.º do Regulations on the Status and Transfer of Players da FIFA nos seguintes termos: “se um jogador profissional é transferido antes do termo do seu contrato, o clube ou os clubes formadores que contribuíram para a sua educação e formação receberão uma parte da indemnização paga ao clube anterior.” Os beneficiários destes institutos são os clubes/sociedades desportivas que tenham formado o jogador entre os 12 e os 23 anos de idade. Existem, portanto, suficientes mecanismos de protecção para os clubes e sociedades desportivas formadoras sendo que, de resto, no plano nacional é regularmente vedado ao clube formador ceder os seus direitos de compensação a terceiros.
 
Existe um número adequado de juristas com conhecimento em direito desportivo para as necessidades do mercado nacional? E na lusofonia?
Não possuo dados concretos que me permitam responder a esta questão mas é inegável que tem havido um aumento muito significativo da oferta curricular nas mais diversas universidades nesta área específica do direito e, portanto, é natural que vão surgindo cada vez mais juristas “especialistas” em direito desportivo. Acredito que é uma área com um largo futuro, sendo necessário que os jovens percebam que terão que ter a capacidade de pensar, raciocinar, articular e contraditar em três ou quatro línguas estrangeiras, sob pena de iniciarem um processo em Portugal e depois, em sede de recurso, terem que entregar o seu trabalho a um colega estrangeiro para que seja esse outro a fazer a defesa da sua causa.

Tem-se assistido a um fenómeno de aquisições de jogadores cada vez mais novos para as escolas de formação dos grandes clubes mundiais. É possível regulamentar esta matéria respeitando o direito dos menores e o investimento dos clubes?
Esta é uma matéria muito sensível e para a qual a FIFA tem estado particularmente atenta, pois a barreira que separa a aquisição de jovens jogadores oriundos de diferentes latitudes e o “tráfico humano com fins futebolísticos” é muito ténue. Existe regulamentação suficiente sobre esta matéria, o que acontece é que vão chegando notícias de fenómenos de falsificação de passaportes e de subornos que inviabilizam que situações de abandono e de infâncias perdidas se vão multiplicando por esse mundo fora.

Concorda com a proibição de os direitos desportivos serem detidos por partes terceiras?
O comité executivo da FIFA decidiu proibir que investidores externos pudessem comprar a totalidade ou uma parte dos direitos económicos de um jogador para mais tarde receberam as mais-valias de uma futura transferência do atleta. Segundo a FIFA, a sua decisão tomada em 2015 visou “preservar a independência dos clubes e dos jogadores e garantir a integridade dos jogos e das competições”. Mais tarde, o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) confirmou a interdição da propriedade por parte de terceiros (TPO) dos passes dos futebolistas decretada pela FIFA e esta medida, na minha opinião, é apropriada embora em termos objectivos reduza substancialmente a capacidade de financiamento dos clubes / sociedades desportivas. Mas entendo que é o preço a pagar para termos um futebol mais expurgado de capitais que não interessam ao desporto-rei.

A existência de um bom departamento jurídico ou de uma boa assessoria jurídica externa é hoje essencial para uma boa gestão de um clube e para se alcançarem bons resultados desportivos?
O fenómeno desportivo exige um conhecimento transversal, mas simultaneamente especializado, e a sua dimensão jurídica tem vindo a assumir uma relevância crescente ao ponto de se poder dizer que hoje “tudo é jurídico”. Portanto, hoje é impensável que uma organização desportiva profissional não trabalhe diariamente com especialistas na área jurídica.
 
Considera que deveria haver uma revisão da Lei 10/2013, de 25 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico das sociedades desportivas? Em que pontos e porquê?
Atenta a minha situação particular, entendo que não devo responder a esta questão.

Dirigentes desportivos, entre a ficção e a realidade

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Pedro Berjano

Advogado, Coordenador do Departamento de Direito do Desporto na MGRA & Associados
Juiz-Árbitro no Tribunal Arbitral do Desporto*
Todos os que conhecem por dentro o Desporto em Portugal sabem que o papel dos dirigentes desportivos é absolutamente decisivo. Na maioria dos casos, sendo voluntários, quantas vezes até, também mecenas, retirando muito tempo das suas vidas familiares e profissionais, em favor do desenvolvimento das suas modalidades.
Assim sendo e perante este cenário, iremos em seguida passar em revista o enquadramento jurídico destes importantes agentes desportivos, no sentido de se perceber se o mesmo se adequa ou não ao desenvolvimento da sua relevante actividade.
Em primeiro lugar, é a própria Constituição da República Portuguesa que estatui, como um Direito, Liberdade e Garantia, no seu Artigo n.º 46.º, a Liberdade de Associação. Associações estas compostas por órgãos sociais, nos termos do Artigo 157.º e seguintes do Código Civil, e consequentemente pelos seus titulares, os dirigentes. No que concerne ao Desporto (e actividade física), a Lei Fundamental, no Artigo n.º 79º, n.º 2º, vai ainda mais longe, ao incumbir ao Estado, “em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto”. Isto é, o Estado, nestas matérias, deve estar, obrigatoriamente, de “braço dado” com as associações e, por maioria de razão, desde logo, com os seus dirigentes.
Nessa direção, a Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro), no n.º 1 do seu artigo 13.º, faz o reconhecimento da importante função dos dirigentes desportivos e determina que sejam garantidas as condições necessárias ao bom desenvolvimento das suas funções. O n.º 2 do mesmo artigo remete para diploma próprio o estabelecimento das medidas de apoio ao dirigente desportivo em regime de voluntariado, no fundo estabelecendo desde logo a distinção entre estes e os dirigentes profissionais.
A consequência legislativa foi o Decreto-Lei n.º 267/95, de 18 de Outubro, que define o estatuto dos dirigentes desportivos em regime de voluntariado e que começa por estabelecer no Artigo 1º, n.º 1, o objecto (supra identificado) e em seguida, no n.º2, reconhece “o interesse público da actividade dos dirigentes desportivos na promoção, organização e desenvolvimento do desporto”. Reconhecimento este que merece nos artigos seguintes, medidas atinentes ao desempenho deste instituto, mas não antes, de “melhor” enquadrar, a definição de dirigente desportivo em regime de voluntariado, no n.º 1 do Artigo 2º, como “qualquer pessoa que se encontre, de modo efectivo e sem remuneração, no exercício de funções em órgãos estatutários do Comité Olímpico de Portugal, da Confederação do Desporto de Portugal, de federações desportivas dotadas de estatuto de utilidade pública desportiva ou de associações nestas últimas inscritas.”
Aqui e desde logo, o perigo da existência, neste pequeno diploma, de apenas nove artigos, de uma lacuna gigantesca. Ou se interpreta que as associações a que o legislador se refere são em sentido genérico, ou, aparentemente, e por absurdo que possa parecer, foram esquecidos os dirigentes dos clubes, porque ninguém poderia acreditar que esses verdadeiros catalisadores do Desporto em Portugal não gozem de qualquer direito ou protecção! Não obstante, parece ser dada outra pista, nesse sentido no Artigo 3.º n. 3, do antedito Decreto- Lei n.º267/95, de 18 de outubro, dedicado ao apoio estatal na área da formação permanente, onde é dito expressamente, e no que parece ser uma excepção, que: “O disposto no presente artigo é aplicável aos dirigentes dos clubes desportivos”.
Regressando ao que, objectivamente, se encontra plasmado no estatuto dos dirigentes desportivos em regime de voluntariado, encontramos medidas de apoio que assumem diversos perfis, a saber:
- apoio jurídico específico, por via de um centro, criado para esse efeito, em sede de Comité Olímpico de Portugal, Artigo 4.º,
- horários de trabalho adequados a viabilizar o exercício das funções de dirigente, Artigo 5.º;
- a dispensa temporária de funções, quando actuem no âmbito do alto rendimento, Artigo 6.º. A ler em  articulação com a Portaria n.º 739/91, de 1 de Agosto, que define o regime de requisição de técnicos e dirigentes que se dedicam especificamente ao subsistema de alto rendimento, e ainda;
- o usufruto de um seguro de acidentes pessoais, destinados a cobrir as deslocações ao estrangeiro de dirigentes integrados em seleções nacionais. Seguro esse comparticipado pelo Instituto do Desporto de Portugal em 75%, Artigo 7.º.
Infelizmente, a prática tem revelado que estas medidas ou são insuficientes ou pecam por não serem efectivamente aplicadas.
Exemplos práticos e recorrentes prendem-se com a criação e um horário específico e com a dispensa de serviço, que, sem dúvida, seriam medidas fundamentais de apoio, mas que esbarram, muitas vezes, particularmente nos sectores privados, na maior ou menor sensibilidade das entidades patronais, para causa do voluntariado desportivo, quando, de facto, não deveria de todo ser assim, perante o manifesto interesse público, aliás legalmente reconhecido, da actividade desenvolvida.
Mas não se pense que o facto de ser ser dirigente desportivo voluntário, é, por si só, condição bastante para o acesso ao regime de apoio legalmente previsto. De facto, existem deveres a cumprir e também eles devidamente elencados, no Artigo n.º 8, ainda do mesmo Decreto-Lei:
“a) Defender os interesses da sua modalidade e do desporto em geral, tendo em vista a prossecução do interesse público;
b) Promover a ética desportiva, prevenindo a prática de manifestações antidesportivas, em particular nos domínios da violência associada ao desporto, da dopagem e da corrupção no fenómeno desportivo;
c) Não patrocinar, no exercício das suas funções, interesses particulares, próprios ou de terceiros, de qualquer natureza;
d) Não intervir em actos ou contratos de qualquer tipo, por si ou como representante de terceiros, em que tenha interesse directo ou indirecto, quando o contraente seja o organismo onde exerce funções;
e) Não usar, para fins de interesse próprio ou de terceiros, informações a que tenha acesso por motivo do exercício das suas funções;
f) Participar nas reuniões dos órgãos de que é membro, salvo motivo justificado.”
Volvidos quase dez anos, a Assembleia da Republica, no âmbito da sua competência constitucional, política e legislativa, criou a Lei n.º 20/2004, de 5 de Junho, no sentido de estabelecer o regime de apoio aos dirigentes associativos voluntários, na prossecução das suas actividades de carácter associativo. Esta Lei, de dez artigos, ficou comummente conhecida como o Estatuto do Dirigente Associativo Voluntário. Nos termos do seu Artigo, nº 2º, n.º 1, ela é aplicável aos “Dirigentes de todas as Associações e respectivas Estruturas Associativas ou de Cooperação, dotadas de personalidade jurídica, que não tenham por fim o lucro económico dos associados ou da associação”. Consagrando um estruturante Princípio Geral, no Artigo 3.º, n.º1º: “Os dirigentes associativos voluntários não podem ser prejudicados nos seus direitos e regalias no respectivo emprego por virtude do exercício de cargos de direcção nas associações”. Reconhecendo, assim e mais uma vez, o Estado que, estando ao serviço desta nobre causa, que é a demanda do voluntariado desportivo, tem de ser criado em seu redor, um “escudo” protector, relativo aos direitos decorrentes da respectiva actividade profissional.
Por outro lado, o Artigo 4.º concede o seguinte crédito de horas ao Presidente da Direcção, ou outro Dirigente, sob decisão da Direcção:
• Associações com um máximo de 100 associados, meio dia de trabalho por mês.
• Associações com associados entre 100 e 500, um dia de trabalho por mês.
 • Associações com associados entre 500 e 1000, dois dias de trabalho por mês
• Associações com mais de 1000 associados, três dias de trabalho por mês.
Mas atente-se que:
- o aviso à entidade empregadora ou ao responsável pelo serviço público, deve ser feito, no mínimo, com 48 horas de antecedência, nos termos do n.º3 do mesmo Artigo;
- que, segundo o Artigo 5.º, não existe cumulação de horas pelo facto de o dirigente associativo não exercer o direito previsto no artigo 4.º, em determinado mês, nem pelo facto de o trabalhador ser dirigente de mais do que uma associação;
- No sentido de evitar cominações, o Artigo 6.º esclarece que “as faltas dadas ao abrigo do disposto no artigo 4.º pelos dirigentes associativos voluntários que sejam trabalhadores da Administração Pública, são consideradas justificadas, não implicando perda de remuneração”.
Por outro lado, a Lei salvaguarda ainda, e no sentido de todo o pensamento anteriormente explanado, quer o tempo de serviço (artigo 7.º), quer a marcação de férias (artigo 8.º), mantendo ainda, e em moldes idênticos aos da legislação anterior, a comparticipação de 75% num seguro de acidentes pessoais em deslocações fora do território nacional.   
Posteriormente, a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, a Lei nº 5, de 16 de Outubro de 2007, no seu Artigo 36º, diz-nos que “A Lei define os direitos e deveres dos titulares dos cargos dirigentes desportivos”, remetendo com esta redacção para a Legislação anteriormente analisada e ainda, no caso específico:
- para o Decreto Legislativo Regional n.º 19/2002/M, de 16 de Novembro, que define o Estatuto do Dirigente Desportivo na Região Autónoma da Madeira, e;
- para o Decreto Legislativo Regional n.º 9/2000/A, de 10 de Maio (Regime Jurídico de dispensa de serviço efectivo de funções, por períodos limitados, para a participação em actividades, sociais, culturais e desportivas).
Infelizmente e por condicionalismos de espaço, não é possível a exploração destes interessantes temas, mas cumpre recordar que entronca ainda diretamente nos mesmos, necessária e obrigatoriamente, o Novo Regime Jurídico das Federações Desportivas, Decreto-Lei nº 248-B/2008, de 31 Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 93/2014, de 23 de Junho, entre outras, em matérias como o regime de incompatibilidades ou a limitação de mandatos.
Mas, assim sendo, se aparentemente o trabalho dos dirigentes desportivos voluntários é tão valorizado, incentivado e protegido, qual o motivo para a tão falada crise do associativismo? Porque é que é cada vez mais complicado envolver novos dirigentes? Porque é que existe um tremendo desgaste nos dirigentes voluntários? Anteriormente, já fui aflorando a resposta, porque, diariamente, para quem anda no terreno, entre a ilusão e a realidade, existe demasiadas vezes uma linha invisível, onde as medidas de apoio são letra-morta e, para uma larga maioria, nunca passam de pura ficção.
*Mediador do Tribunal Arbitral do Desporto
**Por opção do autor, este texto não segue o Novo Acordo Ortográfico

Os intermediários desportivos na Lei 54/2017

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Pedro Rosa

Advogado
O fenómeno da intermediação desportiva assume-se há largos anos já como uma atividade com cada vez maior relevância social e económica.
São conhecidos os “superagentes” do mundo do futebol e sabemos da importância e influência destes no fantástico mundo das transações cada vez mais milionárias (até ao ponto em que a palavra milionária já se encontra perto de deixar de ser um adjetivo adequado). Os próprios dirigentes dos clubes reconhecem publicamente a importância e relevância dos intermediários como “fazedores” e até “desfazedores” de negócios – veja-se a tinta que fez correr a intervenção de um agente em particular no processo de renovação do atleta Donnarumma, sendo acusado pelo AC Milan de impedir o acordo entre atleta e clube.
À “boca pequena” são comentados amiúdes casos de jogadores caídos no ocaso por não serem representados, ou escolherem não ser representados, pelo “empresário certo”, e chegamos a testemunhar casos de jogadores que, devido a relações umbilicais iniciadas em idades menores, vêm o seu encaminhamento profissional fortemente condicionado aos interesses de quem deveria apenas defender os atletas que representa.
A grande relevância deste fenómeno em Portugal ganha essencialmente através do futebol, exigiu uma regulação heterónoma materializada na intervenção do legislador e a aprovação de regulamentos emergentes da FIFA e da FPF.
Recentemente, à boleia da revisão geral do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, o legislador abordou novamente esta realidade, justificando-se, pois, revisitar este tema.
A alteração legislativa materializou-se na Lei 54/2017, de 14 de Julho (“Lei 54/2017”), que revogou e substituiu a Lei 28/98, de 26 de Julho (“Lei 28/98”).
O acento tónico do legislador é colocado na relação de representação do praticante desportivo, sendo que, embora a Lei inclua também a intermediação e representação dos clubes consigna-lhe muito maior margem de liberdade, o que fará sentido na medida em que os clubes são instituições em princípio com maior força e poderio negocial e logo com menor necessidade de tutela do legislador.
 A intervenção do legislador, levantou vários pontos de debate, alguns dos quais nos propomos a escrutinar, ainda que sujeitos aos naturais espartilhos de espaço a que a publicação de qualquer opinião nos obriga.
Centremo-nos, em primeiro lugar, no Registo:
O artigo 37.º da Lei 54/2017, como já ocorria ao abrigo do anterior diploma, obriga o registo do intermediário desportivo junto da federação desportiva como condição do exercício da atividade, impondo àquela a manutenção de um registo organizado e atualizado.
No caso da FPF, esta obrigação conhece extensão no seu próprio regulamento de intermediários sob o artigo 6.º, através do qual dá também cumprimento ao artigo do 3.º do Regulamento FIFA sobre a mesma matéria.
Ocorre que a Lei veio introduzir uma pequena alteração ao regime e ao invés de cominar o contrato celebrado com intermediário não registado com a inexistência jurídica passa a cominar essa ilicitude com a nulidade.
O alcance da alteração não aparenta ter qualquer motivação de fundo e, não fosse o recente Acórdão do STJ de 28 de setembro de 2017, diria que não tem sequer alcance prático. A Lei teria apenas pretendido esclarecer e “colar” os efeitos deste incumprimento ao regime jurídico da nulidade, desvalor dos mais severos do nosso ordenamento jurídico.
Acontece que aquele acórdão analisou precisamente o contrato de intermediação com intermediário não registado e veio utilizar a Lei 28/98 e o desvalor então vigente de inexistência jurídica para fundar a decisão de não reconhecer qualquer obrigação de pagamento pelo clube ao intermediário (era reclamado um montante de J 1.056.400).
Ao expor a sua decisão o Tribunal referiu que, apesar de a inexistência jurídica não ter repouso legal, ela é largamente reconhecida doutrinal e jurisprudencialmente e “Sendo inexistente, o negócio jurídico não produz qualquer efeito jurídico, como se reconhece, nomeadamente, no disposto no art. 1630.º, n.o 1, do CC, permitindo a distinção com a nulidade, onde ainda podem produzir-se alguns efeitos jurídicos (CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª edição, 2001, pág. 457, I. GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, 2002, pág. 356, e MANUEL DE ANDRADE, Teoria da Relação Jurídica, II, 4.ª reimpressão, 1974, págs. 414 e 415).”
A questão prática interessante consiste em saber se a solução seria outra a abrigo da nova Lei, visto estipular-se agora um desvalor de grau hierarquicamente inferior?
Note-se que na ação em causa o intermediário lançou mão do instituto do abuso de direito, defendendo que o clube pretendia aproveitar-se de um incumprimento ao qual tinha dado azo e no qual tinha colaborado e permitido ao intermediário um investimento de confiança. Contrapondo, o Tribunal defendeu que a inexistência jurídica com que a Lei cominava a falta do registo não permitia salvaguardar qualquer efeito emergente daquele contrato.
A nulidade, ao invés, permite a produção de alguns efeitos. É, portanto, questionável que a nulidade não permita por exemplo fazer funcionar o instituto do abuso de direito previsto no artigo 334.º do CC. Veja-se que o clube é conhecedor da obrigação de registo e, ainda assim, celebrou o contrato de intermediação em que se comprometia a pagar a este intermediário.
Entendo que, constituindo a obrigação de registo uma tentativa de moralizar e conferir transparência à atividade de intermediação, impõe-se que a falta de registo impeça efetivamente qualquer pagamento a título de honorários ao intermediário, não podendo este avantajar-se com quaisquer montantes provenientes de atividade para a qual não estava legalmente habilitado.
No entanto, a tutela do interesse do intermediário merece algum grau de defesa e a nova redação legal pode abrir a porta a essa defesa. Nomeadamente, as despesas em que incorreu devem ser ressarcidas, pois da sua atividade resultou um enriquecimento do clube que, em parte, terá sido realizado a suas expensas.
Outra das novidades da Lei 54/2017 que suscita ponderação é a alteração do regime de pagamento:
O n.º 3 da nova Lei veio dispor que, em caso de contrato celebrado entre intermediário e praticante desportivo, o pagamento não poderá exceder 10% do montante líquido da sua retribuição.
Ora, esta disposição vai no sentido inverso do previsto no Regulamento FIFA e no Regulamento da FPF, que baseiam a limitação de pagamento no rendimento bruto do jogador – cfr. artigos 7.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, dos respetivos regulamentos.
Por outro lado, a Lei impede que valor máximo seja ultrapassado por convenção das Partes, já o Regulamento FIFA apenas recomenda o pagamento de um montante de comissão até 3% e o Regulamento da FPF prevê que o limite aí expresso – de 5%, – pode ser afastado pelas Partes no âmbito do contrato de intermediação.
Não oferecerá muitas dúvidas que a Lei se impõe ao Regulamento e, assim, que o Regulamento da FPF carecerá de ser adaptado à nova disposição legislativa.
Se, independentemente das diferenças registadas, a Lei não nos merece especial apontamento de censura no que acabou de ser dito, outra é a opinião quanto à indemnização a conferir ao intermediário em caso de rutura indevida do contrato pelo jogador.
Com efeito, a Lei estipula que a indemnização não pode exceder o valor que resulte da aplicação do artigo 38.º, n.º 3, ao período remanescente do contrato.
Recordamos que o contrato de intermediação não pode ter uma duração superior a 2 anos e que a norma a que se refere a Lei dita expressamente que o dever de pagamento do jogador ao intermediário apenas se mantém enquanto o contrato de intermediação estiver em vigor.
Esta limitação expõe injustificadamente a posição do intermediário, sendo que a sua remuneração deveria ser conexa com o contrato de trabalho que eventualmente tenha negociado em favor do seu representado num ajustado alinhamento de incentivos e interesses.  Doutro modo, será o mesmo que admitir que o intermediário não procurará até ao fim da duração do contrato de intermediação interceder em favor do atleta, a não ser que assegure a renovação desse mesmo contrato de intermediação.  Ou o legislador está consciente de que é prática comum os clubes assumirem os pagamentos aos intermediários, caso em que se estranha que determine que o intermediário apenas pode ser remunerado pela parte que representa, ou o legislador quis limitar posição negocial dos intermediários (talvez em demasia?).
Uma palavra final para notar que o legislador veio proibir a representação de menores por intermediários numa solução que se aplaude na intenção, mas, como alguns apontaram, poderá carecer de “realismo”, pois a tentativa de chegar ao talento cada vez mais cedo dificilmente será travada por Lei.

Aspectos controvertidos do regime das sociedades desportivas – em especial, a participação em sociedades desportivas concorrentes

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Maria de Fátima Ribeiro

Professora da Universidade Católica Portuguesa
Autora da obra Sociedades Desportivas, UCE Porto, 2015
O regime das sociedades desportivas resulta hoje do Decreto-Lei n.º 10/2013, pelo qual se introduziram algumas modificações ao regime legal que vigorava até então, visando-se agora essencialmente impor obrigações e deveres idênticos a todas as entidades desportivas que participam em competições desportivas profissionais. Por essa razão, todas elas deverão actualmente adoptar a forma jurídica de sociedade, embora podendo optar entre a constituição de uma sociedade anónima desportiva (SAD) ou de uma sociedade desportiva unipessoal por quotas (SDUQ).
Num breve balanço da adequação do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2013 à realidade desportiva a que ele se aplica e da reforma do regime das sociedades desportivas que o diploma levou a cabo, destacam-se vários aspectos relativamente aos quais as opções legislativas não foram as melhores. De entre estes, salienta-se o facto de se permitir, agora, a constituição de sociedade desportiva anónima ou unipessoal por quotas (quando na vigência da anterior Lei das Sociedades Desportivas apenas era possível a constituição de sociedade anónima desportiva). Em bom rigor, a estrutura e regime da sociedade unipessoal por quotas revelam-se inadequados às especificidades de regulação que reclamam as sociedades desportivas. Exemplificamos, neste domínio, com as debilidades relativas ao governo da sociedade (pois na sociedade unipessoal por quotas não será sempre obrigatória a existência de um órgão autónomo de fiscalização, o que depende da dimensão da empresa societária – e, a ser, apenas se impõe que exista um revisor oficial de contas; mais: na sociedade por quotas, os gerentes devem administrar a sociedade com respeito pelas deliberações dos sócios, nos termos do disposto no artigo 259.º do CSC, o que não assegura uma completa autonomia do órgão de administração da sociedade desportiva relativamente à ingerência do clube fundador) e com o significativamente inferior valor do capital social mínimo (que é, para as sociedades desportivas unipessoais por quotas que pretendam participar em competições profissionais de futebol na I Liga e na II Liga, injustificadamente fixado numa quarta parte do valor exigido por lei para as sociedades anónimas desportivas que pretendam participar nas mesmas competições, ou seja, respectivamente, 250 000 J e 50 000 J, por comparação com 1 000 000 J e 200 000 J; e nas competições profissionais de outras modalidades o capital social mínimo é de 250 000 J para as sociedades anónimas desportivas e de 50 000 J para as sociedades desportivas unipessoais por quotas). Por estas e outras razões, teria sido preferível, em nosso entender, assegurar a possibilidade de constituição de sociedades desportivas pelo clube fundador, sem a necessidade de existência de outros sócios, permitindo a existência de sociedades anónimas unipessoais – o que, na prática, até acaba por se verificar, uma vez que é possível identificar no panorama das SAD portuguesas casos de constituição de sociedades anónimas desportivas que têm, essencialmente, um sócio (ou seja, nas quais os outros quatro sócios têm uma participação social de percentagem verdadeiramente insignificante). Desse modo, deixaria de existir aquilo que, com esta lei, se visou combater: a inexplicável coexistência de dois modelos alternativos e com regimes significativamente diferentes para a participação em competições profissionais.
Cabe também salientar que determinados aspectos de regime se revelam de parca adequação ou eficiência, quando tidos em conta os fins que se visam prosseguir. É, nomeadamente, o caso das regras que se propõem salvaguardar o património imobiliário (atente-se, por exemplo, nos inúmeros problemas que a aplicação do artigo 27.º, pelo qual se determina que em caso de extinção da sociedade desportiva as instalações desportivas, se não forem indispensáveis para liquidar dívidas sociais, devem ser atribuídas ao clube desportivo fundador, pode gerar, até porque a participação do clube pode não ser superior a 10% do capital social), das que regulam a estrutura organizativa da sociedade desportiva (sobretudo no que respeita ao órgão de administração), bem como daquelas que estabelecem limites à participação em sociedades desportivas concorrentes. Analisemos, a título exemplificativo, algumas das debilidades neste último ponto: a regulação da participação em sociedades desportivas concorrentes. Embora se possa afirmar que as regras instituídas são, em abstracto, adequadas à prossecução da “ratio” que lhes subjaz, ou seja, assegurar o princípio da verdade desportiva (o mesmo não poderá afirmar-se quanto à participação de sociedade desportiva noutras sociedades desportivas, dado que a proibição, resultante do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LSD, de que uma sociedade desportiva participe “no capital social de sociedade com idêntica natureza” nos parece excessiva, uma vez que para a tutela dos interesses em causa teria sido suficiente a proibição de participação no capital social de sociedade desportiva concorrente, com o que não ficariam postos em causa os interesses relacionados com as prementes necessidades de financiamento das sociedades desportivas).
O artigo 19.º da LSD admite a participação de accionistas em sociedades desportivas concorrentes (e, embora a  norma seja omissa neste ponto, nada parece impedir que o clube, sócio único de uma SDUQ, seja titular de acções em sociedade anónima desportiva que tenha por objecto a mesma modalidade desportiva – desde que não ultrapasse 10% do capital, como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 12.º; com efeito, o sócio único de uma SDUQ será sempre, nos termos desta norma, “entidade dominante de uma sociedade desportiva”, a SDUQ; e neste caso, naturalmente, todos os direitos de sócio terão de ser exercidos na SDUQ), mas impede o sócio de exercer os seus direitos em mais do que uma sociedade, excepto aqueles que se prendem estritamente com a remuneração do investimento realizado: o direito de transmitir as participações sociais e o direito aos lucros. Deste modo, estimula-se o investimento em (diversas) sociedades desportivas, facilitando-se o seu financiamento através da perspectivação da participação nos lucros resultantes da respectiva actividade (e esse ganho pode ser obtido pela repartição de dividendos, mas também através da expectativa de transmissão da participação social, e de que o seu valor de mercado aumente entre o momento da aquisição e o da possível alienação), enquanto simultaneamente se acautela o respeito pelo princípio da transparência desportiva (assegurando que cada entidade envolvida numa competição represente, de facto, interesses em confronto).
Simplesmente, não se cuida de estabelecer nenhum mecanismo de controlo relativamente ao cumprimento desta imposição. Por outras palavras, não se prevêem mecanismos que permitam a cada uma das sociedades envolvidas controlar a actuação deste sócio, nomeadamente assegurando que ele não exerce a totalidade dos seus direitos sociais em várias sociedades desportivas que tenham por objecto a mesma modalidade desportiva – é que, embora as acções sejam sempre nominativas, nos termos do n.º 3 do artigo 10.º da LSD, a lei não prevê a existência de nenhum dever de informação, a cargo do sócio, de cada uma das sociedades acerca da participação que ele detenha noutras, bem como dos movimentos de aquisição e alienação de participações nessas sociedades.
Além disto, a lei também não dá resposta à questão de saber se pode aquele que é sócio em mais do que uma sociedade desportiva que tenha por objecto a mesma modalidade desportiva vir a alterar a sua posição relativamente ao exercício dos seus direitos sociais, ou seja, se pode esse sócio vir a deixar de exercer todos os seus direitos sociais numa sociedade para passar a exercê-los noutra. A resposta não se afigura simples: por um lado, em nome do princípio da autonomia privada, cabe ao sócio a escolha da sociedade relativamente à qual pretende exercer a totalidade dos seus direitos sociais – embora o artigo 19.º não esclareça, sequer, este aspecto; em nome do mesmo princípio, ele poderia, a todo o tempo, alterar a sua escolha. Porém, tendo em conta que o fim da norma é tutelar os interesses das sociedades participadas, prevenindo eventuais violações do dever de lealdade que impende sobre o sócio, não pode afirmar-se sem hesitação essa possibilidade, que viria permitir ao sócio defraudar, a todo e qualquer momento, esse fim.
Em conclusão, se é certo que a realidade das sociedades desportivas reclama, em vários aspectos, um regime especial, na medida em que está frequentemente em causa a tutela de interesses específicos, distintos daqueles que norteiam o regime geral das sociedades comerciais, não parece que o legislador tenha sido totalmente hábil na identificação desses interesses e na escolha dos meios que permitam assegurar, de modo eficaz e coerente, a respectiva tutela.
*Por opção da autora, este texto não segue o Novo Acordo Ortográfico

Desafios dos desportos eletrónicos: em busca do sonho olímpico

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Rui Botica Santos

Advogado (Portugal, Brasil, Macau, Timor-Leste)
Árbitro oficial da Court of Arbitration for Sport (CAS)*
I. Introdução
O desporto eletrónico e o conjunto de competições organizadas em torno dos jogos eletrónicos – video games, geralmente referenciados pela expressão inglesa eSports / eletronic sports – tem vindo a eclodir como fenómeno no cenário global de eventos competitivos, com um crescimento exponencial em termos de adeptos, profissionalismo, audiências e receitas.  
Dados recentes indicam que as competições eletrónicas movimentaram, apenas neste ano, cerca de USD 463 milhões. Milhares de aficionados esgotam estádios e arenas para assistir ao vivo a jogos virtuais disputados entre equipas profissionais, enquanto outros milhões acompanham os mesmos jogos pela internet, via streaming, através de plataformas como a Twitch TV, um site que transmite em tempo real imagens das competições, adquirido pela Amazon pelo valor de USD 970 milhões(1), e que conta com um público superior a 100 milhões de pessoas por mês(2).
O indiscutível sucesso desta realidade levanta controvérsias ao nível do status “desportivo” dos jogos eletrónicos. Ao mesmo tempo que muitas vozes invocam a competitividade e popularidade como justificação para a designação de alguns jogos como desporto – excluídos os jogos que incitam à violência –, outras, porém, afirmam que tais jogos nunca poderão ser equiparados a um “desporto real”, sobretudo em razão do seu caráter virtual, o qual dispensa a normal e intensa atividade física associada aos desportos tradicionais(3).
A polémica ganha ainda mais força com as declarações dos organizadores dos Jogos Olímpicos de 2024 em Paris, no sentido de integrar os jogos eletrónicos no programa olímpico como forma de atrair a participação e integração das novas gerações no desporto e nos valores olímpicos, a exemplo do que diversos países já estão a fazer, especialmente na Ásia, onde os jogos eletrónicos são um desporto medalhado (exemplo: Jogos Asiáticos de 2022, a decorrer na China).

II. Conceito de Desporto
De acordo com o dicionário on-line “Dicticionary.com”, desporto é “[...] an athletic activity requiring skill or physical prowess and often of a competitive nature, as racing, baseball, tennis, golf, bowling, wrestling, boxing, hunting, fishing, etc. [...]” .
Tradicionalmente, a atividade desportiva é associada à atividade física e à performance atlética dos praticantes. Tal, todavia, nunca impediu que modalidades como o tiro ao alvo, o xadrez ou o póquer – estes últimos ainda que com alguma controvérsia – fossem consideradas formas de desporto, todas a requerer habilidades sem implicarem, necessariamente, destreza física. Aliás, o Comité Olímpico Internacional (COI), através da Associação das Federações Desportivas Internacionais Reconhecidas do COI – ARISF, reconhece o xadrez como um desporto bona fide.    
No caso dos eSports, as atividades exigem dos atletas de elite grandes habilidades motoras e cognitivas ao nível da perceção, dos reflexos, da concentração e da estratégia. Estudos revelam que “os atletas de eSports conseguem realizar até 400 movimentos no teclado e mouse por minuto, quatro vezes mais do que a pessoa média. [...] Além das habilidades motoras necessárias, os jogos exigem um alto grau de compreensão tática para um atleta derrotar seu oponente(5)”.
Com efeito, jogos eletrónicos como o “FIFA”, que simula o futebol com impressionante realidade, e outros jogos populares, como o “League of Legends”, do género de estratégia em tempo real, exigem intenso treino dos jogadores, que se preparam para as competições com a mesma dedicação de atletas de qualquer outro desporto.

III. Requisitos para integração no Programa Olímpico
Para cada nova edição dos Jogos Olímpicos é criado pelo COI um programa olímpico específico que pode rever o programa anterior. Estabelecendo novos critérios, cada programa olímpico pode proceder à inclusão ou exclusão de desportos(6). O programa olímpico contém um número limitado de desportos, mas é composto por um núcleo, formado por aqueles mais tradicionais ligados a federações com maior representatividade(7). A retirada de determinado desporto da lista não lhe retira o status desportivo. Enquanto o rugby e o golfe foram desportos incluídos nos Jogos Olímpicos do Rio em 2016, cinco outros novos estão já contemplados no programa dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020, a saber: skate, surf, escalada, karaté e baseball/softball. Na história dos Jogos Olímpicos, apenas atletismo, natação, esgrima e ginástica artística integraram todos os programas olímpicos.
Na elaboração do programa olímpico, o COI distingue as modalidades desportivas em disciplinas e provas. Nos termos da Carta Olímpica, “Uma disciplina é uma especialidade de uma modalidade que compreende uma ou mais provas. Uma prova é uma competição numa modalidade ou de uma das suas disciplinas, que tem por resultado uma classificação e determina a entrega de medalhas e de diplomas(8)”. Esta regra pode ser exemplificada através da modalidade dos desportos aquáticos, representada pela Federação Internacional de Natação, que inclui, entre outras, as disciplinas da natação e do polo aquático.
De modo geral, a Carta Olímpica estabelece que apenas podem integrar um programa olímpico os desportos previamente reconhecidos e unificados sob a égide de uma federação internacional, com estatutos e regras sólidas, que garantam a uniformidade da sua prática, a não manipulação de resultados e que obedeçam à Carta Olímpica, nomeadamente no que respeita à adoção e aplicação do Código Mundial Antidopagem(9).
Da interpretação sistemática da Carta Olímpica, retira-se que uma modalidade desportiva só poderá fazer parte de um programa olímpico se estiver alinhada com o movimento olímpico, o que significa que deve ser popular e universal, não discriminatória, capaz de promover de “[...] forma equilibrada as qualidades do corpo, da vontade e da mente, (…) aliando o desporto à cultura e educação,(10)”. Adicionalmente, deve também estar “ao serviço do desenvolvimento harmonioso da pessoa humana em vista de promover uma sociedade pacífica preocupada com a preservação da dignidade humana(11)” e ser praticada com entendimento mútuo, espírito de amizade, solidariedade e fairplay(12).
Neste contexto, o desporto olímpico não pode ser encarado como uma atividade apenas focada no exercício físico, mas antes na educação, respeito e união das pessoas. Neste ponto de vista, os desportos eletrónicos e as suas modalidades são fortes candidatos aos futuros programas olímpicos, já que, para além da sua popularidade e dimensão económica, revelam um enorme potencial educativo e de promoção dos ideais olímpicos, contando já com cerca de 2,1 biliões de praticantes espalhados por todos os continentes, na sua grande maioria jovens, sem grande disparidade de género.
A crescente importância dos jogos eletrónicos é tal que, conforme anteriormente referido, existe a forte possibilidade de inclusão dos mesmos nos Jogos Olímpicos de 2024. Esta estreia, a concretizar-se, será uma forma de atrair a participação e integração das novas gerações no desporto, a exemplo do que diversos países já estão a fazer, especialmente na Ásia(13).
Por ora, a ausência de uma federação internacional a determinar o conteúdo e a unificar as regras para cada uma das disciplinas dos jogos eletrónicos é ainda um obstáculo à ascensão deste “desporto” ao sonho olímpico. Apesar de avanços significativos, como a promoção de testes anti-doping pela Electronic Sports League (ESL), a maior e mais antiga organização de desportos eletrónicos do mundo, a regulação deste novo desporto é bastante dispersa, contando com diversas entidades que seguem as suas próprias regras, sem a coesão de uma entidade internacional.

IV. Breves considerações finais
Atendendo à elevada exigência e competitividade do ponto de vista mental e psicológico, parece razoável concordar que os jogos eletrónicos sejam aceites como uma forma de desporto. E é desejável que assim seja. Não obstante a ausência de intensa atividade física, os desportos eletrónicos que excluam qualquer incentivo à violência possuem um enorme potencial educacional, em linha com os valores olímpicos. Para além desta característica, não devemos ignorar a dimensão económica e a crescente popularidade desta realidade.
O horizonte desta nova modalidade desportiva, fascinante pelo ambiente virtual e pelas diferentes realidades que podem ser “artificialmente” criadas, apresenta inúmeros e complexos desafios jurídicos que podem surgir num futuro próximo, muitos dos quais absolutamente singulares, como a constituição de clubes, organização de competições desportivas internacionais e a eventual autonomização do “atleta virtual” do seu “operador” que, em dado momento poderá ganhar “vida própria”.        
Assim sendo, resta-nos acompanhar a evolução deste fenómeno e esperar pela inevitável definição dos conteúdos e regras que devem reger este desporto, situação que surgirá após a eventual criação de uma federação internacional e consequente reconhecimento pelo COI. Não devemos ficar surpreendidos se algumas das existentes federações internacionais começarem a reivindicar o direito de regulamentação de jogos eletrónicos associados à modalidade que tutela. Por exemplo, vermos a FIFA reclamar jurisdição sobre a organização e regulamentação dos jogos eletrónicos relacionados com o futebol e/ou a FIA reclamar plena jurisdição sobre os jogos eletrónicos associados a corridas de “veículos motorizados”.
*Professor Convidado no Master in International Sports Law, pelo ISDE (2007 a 2016)
Juiz do International Court of Appeal da FIA

NOTAS:
1. In esports are real sports. It’s time for the Olympic video games. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2017/aug/11/esports-olympic-video-games-ioc-gaming. Publicado em 11 de Agosto de 2017.   
2. Informações obtidas no website da própria companhia: https://www.twitch.tv/p/about.
3. Releva destacar que nem todos os jogos eletrónicos dispensam a atividade física. Muitos jogos com os seus dispositivos eletrónicos de realidade virtual, sobretudo os que simulam desportos reais, permitem comandos através de movimentos físicos executados pelos jogadores.
4. Tradução livre: “[...] uma atividade atlética que requer habilidades ou proeza física e recorrentemente possuem natureza competitiva, como atletismo, baseball, ténis, golfe, bowling, wrestling, boxe, caça, pesca, etc. [...]”. Disponível em: http://www.dictionary.com/browse/sport?s=t.
5. Tradução livre de um exerto do artigo Why esports ARE real sports: Video gamers’ talents compare with those of athletes and their tournaments rival viewing figures of sport events. Disponível em: http://www.dailymail.co.uk/sport/esports/article-4812762/Why-esports-real-sports.html. Publicado em 24 de Agosto de 2017.
6. Carta Olímpica, Texto de Aplicação da Art. 45, 1.1.
7. Carta Olímpica, Texto de Aplicação da Art. 45, 1.3.1.
8. Carta Olímpica, Art. 45, 2.
9. Carta Olímpica, Art. 45, 3.
10. Carta Olímpica, Princípios Fundamentais do Olimpismo, 1.
11. Carta Olímpica, Princípios Fundamentais do Olimpismo, 2.
12. Carta Olímpica, Princípios Fundamentais do Olimpismo, 4.
13. In eSports could be medal event at 2024 Olympics, Paris bid team says. Disponível em: https://www.theguardian.com/sport/2017/aug/09/esports-2024-olympics-medal-event-paris-bid-committee. Publicado em 9 de Agosto de 2017.

Câmara Nacional de Resolução de Disputas: método alternativo à justiça do trabalho no Brasil

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Amilar Fernandes Alves

Advogado especialista em Direito Desportivo e Direito do Trabalho
Conselheiro da Comissão de Ética do Futebol Brasileiro
Recentemente a Confederação Brasileira de Futebol, seguindo os passos da FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado), editou a Resolução da Presidência nº 01/2016, que institui a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD), órgão para dirimir conflitos entre os partícipes do futebol, vinculado à própria CBF, mas com indicação de seus membros por distintas entidades, o que, em uma visão inicial, garantirá a imparcialidade das decisões.
Por razões claras e atreladas ao cotidiano a relação entre as partes, em algum momento, pode-se desgastar, e para isso é necessário que os conflitos sejam resolvidos de maneira rápida e eficiente. O método de solução de conflitos disponibilizado pela CBF não é novo no meio do futebol, vez que a própria FIFA possui seu órgão interno (DRC – Dispute Resolution Chamber), criado em 2001 como forma de prover uma efetiva mudança nos métodos de disputa com efetividade nas decisões.
O DRC da FIFA é um tribunal arbitral de facto, tendo como princípio a equidade de seus representantes, possuindo o mesmo número de membros indicados pelos clubes e pelos atletas, oferecendo às partes um método consensual de resolução de conflito mais barato e célere, tendo como competência dirimir litígios de natureza laboral, exclusivamente entre atletas e clubes, onde, obrigatoriamente, as partes não possuam a mesma nacionalidade.
A principal diferença entre o órgão da FIFA e o recém-criado da CBF é que o primeiro, como dito, de facto é um tribunal arbitral, já o segundo assemelha-se a um tribunal arbitral, mas não possui as características e os requisitos legais para ser reconhecido como tal.
Ademais, a CBF já possuía um órgão similar denominado Câmara de Resolução de Litígios, mas com competência inferior, pois não eram admitidas causas de natureza laboral, e a indicação de seus membros era feita integralmente pela Entidade Nacional de Administração do Desporto, facto que diminuía a confiabilidade e aceitação do mencionado órgão.
Sob o prisma da modernização do futebol, a Confederação Brasileira de Futebol inovou e ampliou consubstancialmente a competência da Câmara Nacional de Resolução de Disputas. O regulamento da referida câmara, instrumento que norteia o seu funcionamento, dispõe em seu artigo 2º(1) quem poderá submeter litígios, ou seja, são jurisdicionados da CNRD as entidades regionais de administração do desporto (federações estaduais de futebol), as ligas (se filiadas), as entidades de prática desportiva (clubes), os atletas (profissionais ou não), os intermediários, os técnicos e os assistentes técnicos, no artigo 3º(2) é delimitada a competência de sua atuação.
Destacamos que a própria norma assevera que o órgão possui competência para julgar controvérsias de natureza laboral, inclusive entre atletas e clubes, mas sem excluir a possibilidade de eventual recurso para a Justiça do Trabalho, acrescentamos que dentro da competência, além dos assuntos de natureza trabalhista, existem outros de natureza cível, pois se referem às indenizações de mecanismos de compensação ou relacionados a disputas contratuais dos intermediários, entretanto, não há possibilidade expressa de recurso ao Poder Judiciário nestes casos.
Os problemas e controvérsias da criação da Câmara Nacional de Resolução de Disputas, assim como os pontos positivos são vários, além do ineditismo causado pela ampliação da competência, que impossibilita a realização de uma análise mais precisa, apresentando casos fáticos para o estudo. Estas razões, por si, já justificariam a relevância do tema, porém a ausência de outros métodos para a realização de comparações, bem como as decisões da Justiça do Trabalho, em especial nas questões que envolvem a arbitragem como método de solução de conflitos individuais.
É improvável que uma forma de solução de conflito consensual não gere reclamação da parte vencida, mas é possível minimizar os questionamentos através de simples atos. Contudo, existem fatores que serão apontados, observados, debatidos e postos em dúvida por razões naturais, o principal será a ausência de fundamentação jurídica para a criação da CNRD, e, por consequência, das suas decisões.
Infelizmente, um dos problemas é a ausência de respaldo legal, esse será o maior entrave para o desenvolvimento e aceitação da CNRD, que deverá pautar suas decisões pela técnica para conseguir o reconhecimento no meio futebolístico, não sendo possível afirmar como os processos serão julgados, tão pouco se haverá adesão dos jurisdicionados da CNRD.
A ausência de fundamentação legal não interfere somente na aceitação da CNRD, mas também influencia na efetividade do próprio resultado, uma vez que, em se admitindo recurso ao Poder Judiciário, este não poderá executar a supracitada decisão, devendo refazer do início a instrução processual, nos apresentando outro problema, conceitual, mas de relevância, buscando compreender a natureza jurídica da decisão da CNRD.
Há fatores positivos na CNRD, dos quais destacamos a celeridade, a diversidade dos membros indicados e o notório saber destes. A indicação de membros por várias entidades tem como objetivo garantir a isonomia nos julgamentos e uma maior adesão por parte dos litigantes, vez que se a jurisdição é voluntária e consensual a forma de julgamento pode, e irá influenciar a procura futura da solução de conflitos.
Outro facto que pode contribuir para a aceitação da CNRD são as formas de punição aplicada aos clubes, vez que uma delas é a proibição de registrar novos atletas. Ademais, a CNRD preza pela celeridade e composição entre os litigantes, facto que facilita o recebimento de eventuais valores, sendo tal prática apreciada não só pelas partes, mas também por seus patronos.
Apesar de já termos indicado como problemas da CNRD os conflitos com o Poder Judiciário, diante da complexidade do tema, vemo-nos compelidos a esmiuçar o tema. Como apresentado há controvérsias, sendo o primeiro na ausência de legalidade.
Este conflito independe da natureza da causa (cível ou trabalhista), entretanto, superada a questão da legalidade, os efeitos serão diferentes na esfera cível e na esfera trabalhista.
Após verificarmos que a Câmara Nacional de Resolução de Disputas é um método consensual de solução de conflitos, devemos responder algumas indagações, concluir o raciocínio e apontar possíveis soluções para os problemas apresentados.
A primeira conceituação que devemos fazer é com relação à natureza jurídica da decisão emanada pela CNRD: entendemos que só é possível comparar e assemelhar a decisão proferida pela CNRD com outros institutos como a arbitragem e mediação. Contudo, a referida decisão não pode ser considerada uma sentença arbitral pelo simples facto de o órgão judicante da CBF não poder ser reconhecido como tal.
Com relação ao vício de legalidade, concluímos que as partes poderão arguir esta nulidade em um processo judicial. Entretanto, como explicitado acima, defendemos que o magistrado analise o processo e a decisão da CNRD como um parecer técnico, servindo como prova e colaborando com a instrução processual, facilitando a tramitação e privilegiando a celeridade.
No quesito aceitação pública e utilização da CNRD como forma de solução de conflitos, somente podemos realizar deduções lógicas com base nas hipóteses apresentadas, logo, apesar de o órgão judicante da CBF possuir inúmeros pontos negativos, bem como a própria CBF não gozar de uma boa reputação, acreditamos que as partes buscarão a referida câmara para dirimir os litígios, objetivando a celeridade e o tecnicismo de suas decisões. No entanto, desde já, fazemos um importante alerta: se, eventualmente, houver morosidade no julgamento, bem como tendências de favorecimento de qualquer das partes, a Câmara Nacional de Resolução de Disputas estará fadada ao fracasso.
Diante da novidade e do ineditismo da forma de solução de conflitos, não é possível afirmar como as decisões emanadas pela CNRD serão apreciadas pelo Poder Judiciário, vez que não possuem a natureza jurídica de uma sentença arbitral, e, como mencionado, não possui previsão legal.

NOTAS:
1. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Regulamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas. 20 de setembro de 2016. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: <http://www.cbf.com.br/a-cbf/cnrd/regulamento-da-cnrd#.V-VWjvArK00>. Acesso em: 22 setembro. 2016.
2. Ibidem

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Vade Mecum. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 mar. 1998. Seção 1, p. 57-63.
MACHADO, Rubens Approbato et al. Curso de Direito Desportivo Sistêmico: Volume II. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2010.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Recurso Ordinário nº 0011679-21.2015.5.01.0421, da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. 8 jul.2016. Disponível em: < http://bd1.trt1.jus.br/xmlui/handle/1001/785491?queryRequest=arbitragem&themepath=PortalTRT1/>. Acesso em: 22 setembro. 2016.
CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Resolução da Presidência nº 01/2016. 14 de março de 2016. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: < http://www.cbf.com.br/a-cbf/resolucoes-presidencia/rdp-no-12016#.V-VVCvArK00>. Acesso em: 22 setembro. 2016.
CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Regulamento da Câmara Nacional de Resolução de Disputas. 20 de setembro de 2016. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: <http://www.cbf.com.br/a-cbf/cnrd/regulamento-da-cnrd#.V-VWjvArK00>. Acesso em: 22 setembro. 2016.
FIFA. Regulamento Sobre o Procedimento no Comitê do Estatuto do Jogador e da Câmara de Resolução de Disputas. 19 de dezembro de 2014. Zurique, Suíça. Disponível em: <http://resources.fifa.com/mm/document/affederation/administration/02/55/56/57/rulesgoverningtheproceduresofthepscandthedrc(april2015)_neutral.pdf>. Acesso em: 22 setembro. 2016.

Direito do Desporto: Luís Pais Antunes

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Luís Pais Antunes

Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto
Portugal
Considera que a actual estrutura jurisdicional desportiva responde às necessidades das estruturas desportivas do País?
Com a criação e entrada em funcionamento do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) tivemos uma alteração significativa do sistema jurisdicional na área do desporto. Temos hoje uma entidade jurisdicional independente com competência específica para conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, bem como das deliberações tomadas por órgãos disciplinares das federações ou pela Autoridade Antidopagem (ADOP) relativas à violação das normas antidopagem, em sede de arbitragem necessária. Começámos também a decidir no TAD os primeiros processos de arbitragem voluntária em matéria laboral desportiva. Julgo que, decorridos apenas dois anos, é ainda cedo para fazermos um balanço. Mas estamos certamente no bom caminho.

As leis existentes que regulamentam o Desporto são adequadas?
Não me compete a mim – e menos ainda enquanto presidente do TAD – dizer se as leis que regulamentam o desporto em Portugal são ou não as mais adequadas. Há sempre espaço para aperfeiçoar o enquadramento legislativo e regulamentar e o TAD (bem como os tribunais superiores), com a sua jurisprudência, pode contribuir para esse fim. Mas é, em última análise, ao poder legislativo e às entidades desportivas que compete desencadear as iniciativas necessárias para regular o fenómeno desportivo e encontrar as soluções mais adequadas. Em todo o caso, na maioria das situações, os problemas têm menos a ver com o conteúdo das leis e mais com a forma como estas são aplicadas…

O que falta legislar com mais premência no que se refere à justiça desportiva?
A lei que cria o TAD é bastante recente e teve, aliás, um nascimento relativamente conturbado. Sem prejuízo de alguns “ajustamentos”, não me parece que este seja o momento para começar já a introduzir alterações significativas num regime que está a dar os seus primeiros passos. Entre os aspetos a carecerem de aperfeiçoamento, destacaria o regime aplicável aos recursos das decisões proferidas pelo TAD, bem como o relativo às providências cautelares, e as regras aplicáveis à publicitação das decisões do TAD, pondo neste caso termo à total liberdade de qualquer parte obstar à divulgação das mesmas.

Direito no Desporto: Rafael Terreiro Fachada

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Rafael Terreiro Fachada*

Mestre em Direito Desportivo
Autor do livro “Direito Desportivo: uma disciplina autônoma”
Coordenador-Geral da Câmara Nacional de Resolução de Disputas da Confederação Brasileira de Futebol
Considera que a actual estrutura jurisdicional desportiva responde às necessidades das estruturas desportivas do País?
Acredito que sim. Quando olhamos para o futebol brasileiro, por exemplo, vemos três instituições compondo a estrutura jurisdicional dentro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF): (a) a Justiça Desportiva, composta por tribunais que analisam infrações disciplinares inerentes à realização de partidas; (b) a Câmara Nacional de Resolução de Disputas, órgão que analisa litígios de natureza comercial-contratual e obrigações regulamentares; e (c) a Comissão de Ética, criada para sancionar condutas antiéticas em geral, seja quanto ao jogo ou quanto à administração. Destas instituições, as partes envolvidas podem recorrer a instituições arbitrais independentes: o CAS/TAS, sediado na Suíça, ou o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, sediado no Rio de Janeiro. Quando olhamos para as demais modalidades, vemos que o modelo de órgão disciplinar se repete em todas elas. Inclusive, o código utilizado é o mesmo.

As leis existentes que regulamentam o Desporto são adequadas?
De forma geral, sim. Há, contudo, problemas, como o excesso de ingerência estatal e a quantidade elevada de leis. Por exemplo, embora a Constituição brasileira expressamente garanta a autonomia das entidades desportivas, ou seja, seu direito de se auto-organizar e autogerir, existem leis diferentes que vão de alguma forma tratar da organização de tais entidades, por exemplo, a Lei 9.615/98 (Lei Geral do Desporto), a Lei 10.671/03 (Estatuto do Torcedor) e a Lei 13.155/15 (Lei do ProFut). Além desses diplomas legais, ainda existem em âmbito federal, estadual e municipal diversas outras leis que tratam do esporte. Outro exemplo da ingerência indevida foi a criação de um órgão e um tribunal estatais para tratar os casos de dopagem.

O que falta legislar com mais premência no que se refere à justiça desportiva?
Não acredito que falte regulamentação. Falta, em verdade, uma maior coesão e organização do sistema legal, uma unificação que traga para uma mesma lei os diversos aspectos que importam ao esporte. Outro fator de suma importância é garantir ao esporte de rendimento uma real autonomia, uma menor ingerência do Estado, que muitas vezes utiliza o desporto espetáculo como forma de se autopromover. O Estado é importantíssimo para que o desporto social, aquele praticado em escolas, praças, praias, etc., consiga gerar benefícios para a sociedade, mas, infelizmente, por gerar menos propaganda, tais obrigações se tornam secundárias. Atualmente, está no Senado brasileiro um projeto de lei que almeja centralizar a legislação desportiva em um único diploma, embora mantenha a ingerência estatal indevida e crie novos tributos.
*Manteve-se a grafia original em português do Brasil
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