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A recuperação da confiança no sistema financeiro vai ser lenta e gradual

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Barreto Menezes Cordeiro, autor da obra “Do Trust no Direito Civil”, considera
Um sistema judicial eficiente, uma fiscalidade atrativa e uma confiança sólida no sistema financeiro são os três fatores determinantes para atrair investimento estrangeiro. Esta é a opinião de Menezes Cordeiro.
Portugal tem feito um esforço de melhoria nestas áreas. Mas muito está ainda por fazer. O caso BES abalou com o país, mas o caminho será retomado.
O reconhecimento interno do “trust” poderia estimular o interesse estrangeiro. Esta é a opinião de Barreto Menezes Cordeiro, autor da obra “Do Trust no Direito Civil” (tese de doutoramento que aborda o tema do “trust” no âmbito do Direito Civil português).
Menezes Cordeiro está convencido de que, “havendo uma tendência natural para investir no que se conhece, torna-se mais fácil atrair os investidores que estão habituados a recorrer a este tipo de instrumento”.
O processo de reconhecimento do trust pelos países de “Civil Law” é uma realidade que “dificilmente irá parar”. A figura encontra-se hoje positivada, quer no Código Civil francês, quer no Código Civil italiano. Dois ordenamentos que, a par do alemão, maior influência têm no Direito português.
“O facto de estes dois sistemas terem transposto o ‘trust’ para a ordem interna contraria, de resto, a ideia clássica de que o seu reconhecimento implicaria uma revolução do nosso Direito. Está provado que não é assim. Num mundo globalizado, é natural que se avance para uma certa harmonização jurídica e para um reconhecimento de mecanismos e instrumentos utilizados pelas culturas jurídicas e económicas dominantes. Pense-se no Direito privado da União Europeia, que se caracteriza pelas suas bases germânicas devidamente adaptadas às especificidades da Common Law”, afirma.

Investidores privilegiam a segurança na justiça

Para Menezes Cordeiro existem factores que são determinantes para a captação do investimento estrangeiro. Um deles, quiçá o mais importante, é a segurança jurídica. “A qualidade de cada sistema jurídico não se mede apenas pelo conteúdo das normas que o compõem, o processo que rodeia a sua aplicação é decisivo”, afirma.
“Um sistema jurídico formado por normas e princípios estranhos aos investidores ou com uma tendência para sofrerem alterações contínuas e periódicas torna-se pouco apelativo. É natural que apenas se queira investir no que se conhece e no que se confia.”
A fiscalidade é outro factor também determinante no momento da escolha do país por parte do investidor estangeiro. “O atenuar das barreiras geográficas deu um impulso sem precedente ao investimento estrangeiro. Atualmente, os investidores têm ao seu dispor um leque de oportunidades virtualmente inesgotável. Esta nova realidade espoletou uma acesa concorrência entre os Estados que tende a assumir especial relevância no campo da fiscalidade, pense-se no caso irlandês, que deve muito do seu sucesso às reduzidas taxas de IRC praticadas.”

Caso BES prejudicou a confiança no sistema financeiro

Mas existe ainda um outro fator significativo: a confiança no sistema financeiro. Em Portugal registaram-se, nos últimos tempos, problemas sérios a este nível, lembre-se o caso BPN e, mais recentemente, o BES.
“O sistema financeiro, englobando as instituições privadas e os supervisores, foi fortemente abalado com a crise iniciada em 2007 e que ainda hoje não foi ultrapassada. É um dado indesmentível”, afirma Menezes Cordeiro.
“As relações estabelecidas entre os clientes e as instituições de crédito são intrinsecamente fiduciárias. Nós confiamos nos nossos bancos para guardar as nossas poupanças e seguimos, muitas vezes de forma acrítica, os conselhos financeiros prestados. Os bancos têm, ainda, um acesso privilegiado a elementos da nossa vida privada: onde comemos, o que compramos, para onde viajamos, tudo isso é facilmente acessível aos funcionários bancários. Na maioria das vezes, as relações bancárias duram uma vida inteira. As relações assentes em fortes laços de confiança são muito sensíveis.”
“Ora, quando se tornou público que algumas instituições, violando o mais elementar dever de não conflito, decidiram colocar os seus interesses à frente dos interesses dos seus clientes, os alicerces sofreram um forte abanão, conduzindo, naturalmente, à pergunta: mas será que o meu banco também se comporta assim? A desconfiança para com as instituições financeiras rapidamente se estende aos supervisores, suscitando dúvidas sobre a prontidão da intervenção”, acrescenta.
Que a confiança no sistema financeiro foi “tremendamente” abalada, disso, Menezes Cordeiro não tem quaisquer dúvidas: “De um dia para o outro, Portugal viu cair o seu mais emblemático grupo financeiro. Poucos esperariam que a família Espírito Santo, pela sua história, influência e transversalidade dos investimentos sofresse um tombo destas dimensões. A recuperação da confiança é sempre lenta e gradual, mas eventualmente acabará por ser recuperada. A História mostra-nos precisamente isto: nada é eterno e nada é insubstituível. Enquanto português, não posso, todavia, deixar de sentir um certo desgosto pelos acontecimentos”, conclui.

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